MINHA FILHA É MADRASTA DE MINHA ESPOSA

Cinco meses, depois de separado,

encontrei um amigo de infância,

Jeremias, um homem de constância...

Mais que amigo, um irmão muito chegado!

Ao me ver abraçou-me arrebatado

e eu também abracei o Jeremias.

Ele disse saber das agonias

que eu passei e que igual também transpôs....

Conversamos bastante ali nós dois

remarcando nos ver dali 3 dias!

Recobramos um pouco as energias

que perderam-se ante as despedidas,

afinal foram muitas as feridas

que sangraram em nossas nostalgias....

Ao perdermos as nossas moradias,

com o orgulho e com a honra enlutados

os caminhos se tornam ofuscados

nos lamentos que geram abandono

e ficamos pior que cão sem dono,

a comida sem gosto, os céus nublados.

Nossos filhos distantes, machucados

rasgam forte, laceram rijo o peito!

Separado inocente ‘inda é suspeito....

Nossos rumos estéreis, acuados....

Uma filha e um filho, muito amados

tenho eu; Jeremias duas filhas,

descontentes nos rumos das partilhas

resolveram conosco se encontrar,

num cantinho discreto de algum Bar

se tornou o borralho em maravilhas!

Jamais pode conter as apostilhas

a faceta veraz que ali se deu:

No olhar do amigo se acendeu

fogaréu como fogo em duas pilhas.

Seu olhar refletia nas vasilhas

e nos copos que a ceia nos brindava,

espantei-me em notar: também brilhava

com fulgor o olhar de Beatriz,

as maneiras mais nobres, mais gentis

minha filha ao amigo facultava.

Tão loquaz, Jeremias mal falava,

e eu fiquei com a raiva de uns três bois,

mas Aline tocou-me: “deixa os dois”!

Eu parei... Reparei que ela me olhava

de um jeito cortês que cativava,

me fazendo refém do seu afeto...

Nosso olhar vozeava um dialeto

que só mesmo o amor compreendia....

O recinto se fez numa agonia,

com um cheiro abrasado, ar inquieto.

Na tensão do momento irrequieto,

num respiro, a cabeça no lugar...

se entrevendo, sem ter o que falar,

confundindo o indigno com o reto....

Qual criança aprendendo o alfabeto

levantei meu olhar, bradei à rua:

“Tua filha é minha, a minha é tua”...

num consenso de pai ele aceitou

e então todo mundo se abraçou

numa áurea de paz que se extenua!

Emanuelle, a sula do amigo,

recatada saiu com Gabriel,

o meu mais novo, artista do pincel,

e logo após, como que dum jazigo,

eu com Aline.... Medo de castigo?

Mãos bem dadas, felizes, retraídos

e logo atrás, com olhares decididos,

Jeremias, cingido à Beatriz....

Nenhum de nós, eu sei, que nunca quis,

que em tal motim achássemos metidos!

Nosso primeiro impasse, investido,

muito pior do que sentar em brasa,

foi decidir como é que chega em casa

o grupo estranho, insano e descabido.

Nesse momento ali, bem destemido

Jeremias pegou minha família,

foi deixar lá na casa de Emília,

minha Ex, de quem ele agora é genro...

Esse contexto nada tem de tenro:

Me vitimei na mesma armadilha.

Entrei no carro, abri uma pastilha

E perguntei: -quem quer? Ninguém falou.

Mas insisti: Manú, você gostou?

Eu adorei o bolo de baunilha ....

Aline disse: Um bolo com ervilha?

Eu nunca vi, mas era muito bom!

-Eu não gostei das luzes de néon!

-Minha cunhada assim desabafou....

Aquele gelo, enfim, se triturou

e eu fiquei mais leve que crepom!

Cheguei em casa e fui ouvir meu som,

um som molesto igual meu coração

me interpelando, com toda razão,

sobre o bizarro fato e eu, sem dom,

perdendo a calma, inerte, estulto e com

a mente a ponto de explodir... Que é isso?

Na minha cama um caos tão movediço

e ao mesmo tempo um ar dulcificante...

Esse cenário é tão apavorante

quanto eu me faço a ele submisso!

Somente é eu que sofro e penso nisso?

Também os outros tem os seus ardis?

E minha filha amada, a Beatriz,

como é que está, que pensa ela disso?

E Jeremias, nesse reboliço,

como estará disposto a reagir?

Bem... Quanto a mim não há que refletir,

tudo está claro igual numa vitrine:

o meu destino escolta o de Aline...

Se ela quiser ninguém vai impedir!

Eram três horas quando eu fui dormir....

O tempo, eu nem notei, passou correndo,

da mesma forma, que eu fiquei sabendo,

o que é normal, quem não há de convir?

Ninguém dormiu, ficaram a inquirir

sobre o profundo e enigmático drama.

Um toque-toque ouvi, saltei da cama,

corri à porta, abri... O Jeremias...

Mas tão nervoso, que umas três vias

eu via dele ali, em vívida flama.

-Que foi que houve? Os pés sujos de lama....

-Tentou falar, tentou... Não conseguiu!

-Entre, se sente... – Entrou, não disse um til!

-Espere aí... Vou tirar meu pijama.

Entrei no quarto, afônico, fui à cama!

Pior que ele, eu estava... Não me expus!

Refiz-me inteiro, estável me propus

para abater qualquer perplexidade

e quando olhei-o a mim vi de verdade,

pois seu labor ao meu labor faz jus.

Nos entendemos sob a vívida luz

da cortesia entre dois cavalheiros...

Nos elegemos como alcoviteiros

que a própria filha ao outro, sim, conduz.

Ele propôs casar-se, eu não me opus

e ele também não fez oposição,

pelo contrário, deu de coração,

em casamento a sua filha a mim

e em dois meses nos casamos enfim,

filhas e pais na mesma ocasião!

Agora veja a louca confusão

que revelou-se em nosso casamento:

o Jeremias é, no documento,

meu sogro, claro, sem contestação,

mas é também, na mesma exposição,

fato incomum para inflamar neurônio,

meu cortês genro, e eu juro, santo Antônio

não teve nada a ver com a insanidade....

Um parentesco desta afinidade

é improvável em qualquer matrimônio.

Mas tem mais nós e isto é só prormônio,

um nado humilde na longínqua ilha:

minha cunhada é da minha filha,

no embaraço deste pandemônio,

coisa que só no mundo babilônio

se viu: Como enteada se constata...

Da esposa, a filha é madrasta....

Do meu sogro o meu filho é um cunhado,

da enteada da irmã é enteado

na discórdia da lista muito vasta!

Tresloucada a temática desta pasta

onde a filha é madrasta da esposa.

Tal impasse, Baruch de Espinoza,

deixaria de ser entusiasta....

Como água em torrente que devasta,

que escarnece, e que zomba do declínio,

Gabriel sugeriu viés sanguíneo

à cunhada e a cunhada aceitou:

Emanuelle a Gabriel se juntou,

numa estória além do raciocínio.

Eu garanto: Não houve patrocínio

para a estória que aqui é esboçada:

minha filha é cunhada da enteada

- Manú e Bia... E isto é que é fascínio!

De algo assim, quem é que tem domínio?

Minha cunhada também é minha nora....

Minha mulher que é do meu filho agora?

-é madrasta e cunhada neste trilho!

Minha sogra é a sogra do meu filho

que é genro do meu genro, nesta hora!

Minha ex do meu sogro é sogra, ora...

E aquela que é sogra de minha filha,

na partilha do nexo em minha ilha,

é a vovó da minha bela nora...

Mas isso não é tudo, eis que agora

me nasce mais um formoso herdeiro,

colocando mais brasa no braseiro,

pois é neto do meu genro, e é sobrinho

de minha nora; e também bisnetinho

da mãe do meu sogro aventureiro.

Meu juízo precisa de um luzeiro:

Minha filha tá grávida do meu neto...

Eu afirmo: O que eu digo é bem correto,

muito embora pareça um nevoeiro,

que recorde o que não é verdadeiro,

mas garanto com brio ajuizado:

O meu neto também é meu cunhado,

e o negócio tá tão rubro e sem brilho

que também é cunhado do meu filho,

que com minha cunhada é bem casado.

Eita que o negócio é complicado:

O meu neto é irmão de minha esposa,

e sem que haja coisa desonrosa,

o sobrinho do meu filho é seu cunhado...

O enigma fica mais embaraçado:

Minha nora do meu genro foi nascida

e é tia do meu filho nesta lida:

seu irmão também o seu cunhado é...

Ao meu filho e à nora dado é :

Um irmão em comum pra toda vida.