A MELHOR COMPANHIA - CAPÍTULO 08 - ... Um Estouro silencioso

O quarto se ilumina suavemente, a sombra e os raios de sol que atravessam a janela estão em posição diferente indicando que falta menos de um mês para a troca de estação, minha estação preferida por ser a estação do meu aniversário, que está se aproximando. E assim, comtemplo o início da manhã fazendo uma prévia mental do que me aguarda.

Mochila pronta desde a noite anterior, roupa de banho, óculos de sol, chapéu legionário, filtro solar e com um grande sorriso e muita expectativa digo.

- Vamos meu bem, hoje é dia de praia.

- Ainda com essa ideia? Pensei que você tinha esquecido disso.

- E você não esqueceu, mas estava contando que eu esquecesse?

Em mim houve um ruído produzido por uma vibração ruim. Ella não queria sair comigo.

- É que já saímos semana passada.

- Saímos com seus amigos do teatro, precisamos sair só nós dois como casal.

- Mas eu não gosto de praia, pode ir sozinho.

Um frio emanava do meu peito se espalhando pelo resto do corpo sem disfarçar minha decepção, um estouro implodindo meu corpo, entretanto companhia não deve ser mendigada. Guardei meus sentimentos e dirigi rumo a praia. Nem estrada, nem a música, faziam o mesmo sentido. As arvores eram menos verdes e as músicas eram lentas demais, como que se a paisagem e a trilha sonora estivessem empalidecendo em tom sépia. Até pensei em voltar, mas isso seria abandonar a mim mesmo.

Enfim praia. O céu não estava tão azul ou eu estava vendo minha solidão quando olhava para cima. Sentimento quebrado ao ser abordado subitamente por um amigo do trabalho.

- Lorenzo, você me salvou. Sozinho? Onde está esposa?

- Ricardo, que surpresa, te salvei?

Respondi rindo com o tamanho da surpresa e do jeito estabanado que meu amigo apareceu.

- Sim, sabe como é, fim de semana chato com a família na praia.

- A esposa não quis vir, está indisposta. Mas se eu te salvei, você também me salvou, não é mesmo?

Entendi perfeitamente o que Ricardo estava sentindo ao dizer que o salvei, comigo falaremos de outras coisas como carros e cervejas. Veio com a família toda a praia e é o único homem do grupo, entretanto, na posição que me encontro fico pensando que ele é feliz e não sabe, pois, está acompanhado de quem ama. Ricardo é boa pessoa e divertido, mas naquele dia não queria estar ali.

Casado com uma excelente esposa que o acompanha em tudo, pai de três filhos, dois jovens e uma criança que saiu correndo em disparada para água. No grupo havia também a sua cunhada com uma amiga que veio conhecer a cidade. Vendo a agitação da criança perguntei a Ricardo se podia levá-la para andar de canoa e rapidamente ele disse sim.

Quando vi a criança correndo para a água pensei que foi exatamente para isso que vim, para aproveitar a natureza, o espirito das águas. E sendo diretivo, aluguei uma canoa e fomos juntos navegar. Ficava muito feliz quando a criança me chamava de tio enquanto inventávamos diversas brincadeiras do tipo o submarino que não afunda, o avião que nada e por aí ia a nossa criatividade. A definição mais simples de felicidade é estar aonde se quer estar e eu queria muito navegar, mas estar ali com aquela criança me remetia de forma profunda com o significado de felicidade porque em parte a felicidade pode estar relacionada a fase adulta no sentido da liberdade e autonomia que essa fase da vida traz, e na fase da infância como estado puro da felicidade pois quando eu era criança não sofria de ansiedade e perfeccionismo planejando o futuro e nem me martirizava com meu atos passados, e a criança que vivia em mim vivia um eterno carpe die comendo a vida como quem come uma fruta madura e suculenta hoje. Então enquanto estava navegando na imaginação vivi focado no meu presente, sem me preocupar com que houve logo cedo e com o que aconteceria depois. Os filhos do Ricardo despertaram a criança que havia adormecido em mim.

Terminado o passeio de canoa corremos até a barraca em que Ricardo e família nos esperavam e fomos recebidos com surpresa.

- Meu deus Lorenzo, como você consegue acompanhar essa criança?

- Dizem que sou hiperativo, mas tem dias que não quero sair de casa, bem, hoje ninguém me segura.

Ricardo fala que pretende acampar e pede minha opinião quanto a isso porque sabe que tenho experiencia no ramo e então tento fazê-lo responder sobre sua necessidade de ter esse encontro com a mãe natureza. E vejo no seu semblante a necessidade de aventura ou adrenalina. A nossa vida no trabalho nos retira do encontro do nosso próprio eu em uma vida em estado de espirito de sempre alerta, então digo que fará a coisa certa em acampar com a família, mas que deve fazer isso com um roteiro para não se perder em tédio.

- Ricardo, sinto em você um certo estresse e lhe dou uma boa notícia, a natureza não julga, ela não quer saber quem somos, o que fazemos, apenas que tenhamos experiencia com ela, então recomendo que vá para o acampamento e observe o céu noturno com os filhos, eles perguntarão o nome das estrelas e constelações, pegue esses elementos e conte a história dos seus nomes, Mercúrio, Vênus, Júpiter, Órion etc. Olhando para cima.

- Sim, boa, mas também quero que você me ensine a fazer rapel.

Neste momento a cunhada e amiga da cunhada olham para mim e perguntam.

- Você é instrutor de rapel.

- (Rindo respondo) Não sou, mas adoro. Posso levar vocês ao Paraíso do Ed, lá tem rapel e muito mais.

As duas acharam ótimo e senti um entusiasmo como quem diz que sempre sonhou em fazer, mas nunca esteve ao lado de um louco que jogasse lenha na fogueira. Continuei explicando que a experiencia do rapel é única e maravilhosa pois nos coloca na condição de dependermos de nós mesmos e da corda, a vida por um fio. Esse belo encontro nos coloca frente a frente com nossos medos e possibilidades, aquele friozinho viciante na barriga. As duas visitantes como turistas devem estar sedentas por emoções e Ricardo por não conhecer coisas desta área deve estar perdido e precisando de ajuda.

Faltava uma hora para o almoço e começamos a brindar na areia, regada cerveja e petiscos de camarão. A bebida entra e a verdade sai, Ricardo fica falador e conta, à parte, que tem uma amante, logo peço calma ao meu amigo e troco a minha cerveja por suco na intenção que a gente mude de assunto e recobre a sobriedade pois esse assunto não me interessa, principalmente ali tão perto do perigo.

Almoçamos bem, enquanto o sol caminhava pelo céu e eu acompanhava o movimento da sombra calculando a hora de voltar para casa. Já não me sentia mais uma criança pois lembrava mais vezes de forma mais intensa do que aconteceu em casa cedo e agora planejava meu retorno para o aquário, então vivia o passado e o futuro me ausentando do presente.

Me despedi dos amigos na hora certa e segui meu caminho até chegar em casa, antes do pôr do sol.

Shahriyar Tahan
Enviado por Shahriyar Tahan em 09/02/2024
Reeditado em 27/02/2024
Código do texto: T7995683
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