A MELHOR COMPANHIA - CAPÍTULO 06 - Fôlego
Um ruído contamina minha comunicação afetiva no casamento, interferindo em meu cotidiano. Algo me faz perceber que minha vida está adormecida em pensamentos automáticos, logo, busco pensamentos alternativos para revigorar minha alma, mas ainda assim me sinto imerso como uma planta embaixo de um aquário, em casa. Quais pensamentos alternativos são estes? Amigos, canoagem, cavernas, espeleologia, livros, música, pôr do sol, rally, rapel, trilha, viagem etc. Direcionar minha energia em algo que seja positivo me faz sorrir. Por conta deste leque de possibilidades então me vem o pensamento mais leve, mais sereno e mais poético que pode vir em minha mente. Pego o celular e mando mensagem convidando uma pessoa muito especial, Elise Lenor, agora sem deixar este happy hour para depois.
Digo na mensagem que quero “muito algumas horas de conversa leve e agradável” com a minha jornalista favorita, “minha melhor amiga e quase irmã”. Prontamente ela aceita e então convido a minha esposa para vir junto, mas Ella apenas pede que eu a deixe em casa e diz para eu ir sozinho e como já esperava essa resposta apenas concordo.
Chego primeiro ao bistrô. Impossível não observar o comportamento da luz neste ambiente, ainda mais para mim que tenho presbiopia, onde a profundidade focal, controlada por lentes de contato, é de suma importância, então observo o contraste do ambiente que se apresenta em móveis em madeira com detalhes escuros, as luminárias são mistas de luz branca com predominância amarela em pontos estratégicos distribuídos de forma aconchegante, onde é possível ler com conforto visual em meio a uma luz discreta.
Meu problema de visão sem lentes é só para perto, mas independentemente de estar ou não com lentes a visão a longa distância é perfeita. Pela janela vejo o carro dela chegando e começo a rir do modo que estaciona e demora para sair do carro. Da distância percebo aqueles cabelos estilo “miss Parker” ruivos. A cor eu mesmo sugeri brincando dizendo que combinaria, mas mesmo sem querer ficou perfeito. Ao entrar no bistrô a recebo com um sorriso largo e em um longo abraço digo.
- “Olá meu bem! Como vai minha querida irmã?”
Ela sempre de espírito leve, livre e sonhadora transformando suas percepções da vida em poesia. A pena é o seu símbolo mais marcante herdado de família que sempre amaram o conhecimento, então tornou-se jornalista e nas horas vagas poetiza tudo ao seu redor. Se fosse sugerir uma tatuagem certamente seria uma pena que da ponta sairiam pássaros voando como versos e prosas.
- “Como estou?... Ah, Lorenzo, estou devastada! Não sinto o chão sob os meus pés. Estou perdida no tempo! Vejo-me girando em meio a um tornado e não sei para que direção ele está decido a ir!...”
Nunca a vi assim, então, antes de dizer qualquer coisa devo compreender do que se trata, ou, quem sabe apenas propiciar um diálogo e ser seu espelho para que possa escutar as próprias palavras e assim dentro de si mesma perceber o que sente. Em suas palavras reconheci choque, aflição e insegurança. Comuniquei de forma sutil que estava compreendendo seus sentimentos e tentei fazê-la trabalhar cada um deles. Com uma certa calma trabalhamos sua respiração para que as ideias fluíssem de um modo mais confortável. Quando temos questões pendentes, sempre depois de trabalharmos a respiração devemos dizer a nós mesmo aquilo que desabafamos aos outros. Não é isso que receberia de um psicólogo? Uma oportunidade de falar consigo mesma, em um reflexo perfeito e sem julgamento. Por um curto momento pensei que a causa de tal aflição fosse Lara, a ex-namorada. Me enganei, havia outra situação pulsando em sua vida.
Tive um arrebatamento empático pois percebi o quanto estava assombrada a cada detalhe que relatava e em meio a isso, de uma forma espontânea quis sentir a dor dela, igual como um irmão de sangue sentiria pois ela foi a primeira pessoa que estendeu a mão a mim, um forasteiro nesta cidade maravilhosa e hoje já membro da família chamando a sua mãe de minha mãe. A explicação que recebemos desta empatia é de vidas passadas onde nosso tecido energético evoluiu, cresceu e se dividiu em dois para caber em dois corpos diferentes, essas duas metades são chamadas de chama gêmea de acordo com algumas culturas, por analogia com a biologia posso entender que espiritualmente somos gêmeos univitelinos.
Já mais calmos rimos disso e de outras coisas, tornando o momento mais leve. Contamos várias histórias e pelo andar das horas chegou o momento de nos despedirmos. Foi tão bom que eu não queria que terminasse. Ella foi o meu fôlego pois para ser congruente centrei na demanda que trouxe, deixando minhas questões para outro momento, utilizando a ACP, com a certeza de que ela me acolherá quando eu precisar.
Então sigo para o apartamento, retornando para minha amada alma gêmea.
O ruído ainda estava em minha mente, mesmo assim esse foi a melhor dos dias.