A MELHOR COMPANHIA - CAPÍTULO 01 - O Ruído
O rio ao fundo me dando a perspectiva da plenitude com o sol se pondo torna a imagem bucólica, um degradê ao pôr do sol que sucumbe ao escurecimento, enquanto a paisagem do dia esmaece e vagarosamente a cor do rio se encaixa na cor da noite e as luzes da cidade vão aparecendo intensificando minha percepção. Quantas pessoas vivem nesta cidade, qual a sua forma de ver a vida, elas se questionam se estão apenas existindo ou se de fato estão vivendo? Um momento de projeção, um momento de não aceitação, um momento de transferência de vazio. Pensei que analisava as pessoas que andavam lá embaixo, mas analisava a mim mesmo e essa paisagem, a vista da sacada do apartamento, era a minha vida vazia... O que aconteceu comigo? Essa era a minha primeira pergunta direta a mim mesmo. Pela primeira vez em muito tempo fiz uma pergunta sincera a mim mesmo.
Da sacada, olhando para trás, me virei e entrei na suíte, meu lado da cama ocupado por objetos que não eram meus, não quis discutir, ao invés de me deitar fui ao escritório, lá sim é um mundo só meu com cada coisa em seu lugar, contendo apenas o essencial. Escritório estranho, digno de quem gosta de viajar. Uma estante com poucos livros, mas livros essenciais aos meus gostos. O orgulho estava na bota, na bússola, nos mapas e no GPS (não me perderia nunca?), na mochila impermeável, no violão e contrabaixo, e no material esportivo. Sentei e liguei o computador e qual minha surpresa, minhas redes sociais estavam relembrando postagens, lembranças de passeios, de festas e algumas viagens. Uma mensagem chega, era o Luiz, amigo de infância apreciando minhas lembranças que acabara de postar.
- Lorenzo, a quanto tempo?
- Verdade meu amigo, estais em terra para poder conversar com certeza, não é mesmo?
- Sim, essa vida de marinha é muito dinâmica, mas um dia eu sossego. Com certeza você não vai sossegar nunca.
- Por quê? Não posso querer sossegar “um dia”? As coisas que fazemos são muito boas, mas uma hora o homem tem que alternar em seus ciclos, não é verdade?
- Olha, pelas postagens que você mostra acho que não, quando é que você vai se casar?
Até passou da idade.
- Como assim? Mas eu sou casado...
- Conte outra, uma vida como você leva, bem dinâmica, claro que é solteiro, fotos do trabalho tudo bem que a esposa não apareça, mas em suas fotos sociais sempre está sozinho ou de turma, mas parece solteiro.
Neste momento pausei e refleti, em seguida retomei a conversa.
- Nossa, quanta observação clara, mas nem tanto, afinal foto precisa de fotógrafa, no caso a minha fotografa...
A conversa continuou sobre o bairro em que crescemos, as famílias e depois os lugares por onde passamos, mas desde o início da conversa, talvez até antes, havia um barulho silencioso em minha cabeça, me incomodando, me fazendo pensar no que me incomodava, mas essa conversa intensificou ainda mais minha reflexão sobre mim mesmo enquanto olhava o rio da sacada do apartamento. Enfim, a conversa acabou e tudo ecoava de maneira desconexa, ainda, revi muitas fotos e de fato eu estava só, digo, a companhia que eu mais queria não estava lá.
Era tarde quando retornei ao quarto, olhei para o meu lado da cama e comecei a guardar diversos objetos que não eram meus, me deitei, dei boa noite, fechei os olhos e não dormi. Meus pensamentos me levavam em sonhos acordados relembrando das coisas que já tinha feito e valia a pena repetir e de outras coisas que sonhava em realizar. Minha cabeça não parava, não me dava descanso até que o cansaço me venceu e dormi.
E assim se foi o primeiro dia...