O Natal para São Francisco*
Todos nós sabemos ou, ao menos, já ouvimos falar alguma coisa acerca do amor indizível de São Francisco pelo mistério do Natal. Tomás de Celano (2 Cel 199), seu primeiro biógrafo, conta que o santo, ao responder a um irmão, que questionava se os frades podiam comer carne ou não em dia de Natal se este por ventura caísse numa sexta-feira, dia em que a Regra prescreve o jejum (RB III), disse que nesta data até as paredes deviam ser esfregadas com carne. Este mesmo hagiógrafo (2 Cel 200) ainda escreve que São Francisco teria dito que os reis deviam baixar um decreto para que neste dia ninguém passasse fome, que até os animais, nesta data, deveriam receber o dobro da ração. Pois, no Natal celebramos a festa na qual, Deus precisou de seios humanos.
O encanto de São Francisco por esta data era tamanho que o santo não se conteve em simplesmente imaginar o que ocorrera no mundo naquela ocasião. Ele quis, na noite de Natal de 1223, estando na cidade italiana de Greccio (1 Cel 84-87), tornar visível para si e para o povo, o que ocorrera a mais de 1200 anos em Belém. Nesta feita, São Francisco se preocupou com detalhes que, a seu ver, eram muito importantes, tais como: a montagem do estábulo, a presença dos animais, o feno para forrar o lugar. O local ficou tão belamente ornado de pobreza e simplicidade, que o santo não resistiu ao desejo de pedir a um irmão sacerdote que se celebrasse ali a missa de Natal. Esta celebração entrou para a história. Nela, um dos participantes viu, durante a celebração, o Menino Deus repousar nos braços do Santo de Assis.
Diante da beleza deste mistério manifestado aos olhos de São Francisco, poderíamos nos perguntar: Por que São Francisco tinha tal veneração pelo Natal? De onde ele intuiu a ternura e a grandeza deste mistério de nossa fé?
Para responder a tais questões, teríamos que voltar ao momento originário da vocação de Francisco. Teríamos de voltar ao momento do Encontro de Francisco com o mistério da Senhora Pobreza. Teríamos de voltar ao Encontro de Francisco com a Humanidade de Deus revelada no crucifixo de São Damião. Afinal, foi naquele dia de 120_ que Francisco fez a maior de todas as suas descobertas: O Verbo se fez Carne (Jo 1,14)! Deus se fez gente! O Senhor do universo assumiu a nossa condição humana. Assumiu a nossa indigência, pobreza e finitude. Nas ruínas de São Damião, foi revelado ao Poverelo de Assis que a glória de Deus se manifesta na pobreza assumida por e no amor. É deste encontro que brotou a piedosa devoção de Francisco pelo Natal. Para Francisco, na solenidade do Natal, se desvelava o indizível amor livre e gratuito de Deus por todos os homens e por cada um de nós. Isso fez com que o santo de Assis se enamorasse por Deus e buscasse assumir também, em sua própria vida, a pobreza manifestada no presépio de Belém.
A pobreza da manjedoura de Belém, do Deus que veio para os seus e que não foi acolhido por eles (Jo 1,11), ficou tão fortemente gravado no coração de São Francisco, que bastava ao santo lembrar ou ouvir dizer algo acerca da simplicidade de Jesus e sua pobre mãe, para que as lágrimas corressem pelo rosto do santo. Bastava ao santo imaginar as dificuldades enfrentadas pela pobre família de Nazaré para que ele perdesse a fome e começasse a soluçar de tristeza pelo Amor não amado. Esse amor do santo ao mistério do Natal e da humanidade de Deus se traduziu na sua vida e na de seus frades naquilo que a espiritualidade franciscana chama de minoridade que é a atitude de buscar constantemente se fazer gente como Deus se fez gente. Esse é o sentido do Natal para São Francisco e para todos nós que buscamos seguir os seus passos na esteira do franciscanismo.
* O presente texto foi publicado no boletim do Convocações de dezembro de 2014 com o seguinte título: "São Francisco e o Natal"