Vida Molhada (1 pontapé na bunda de Graciliano Ramos)

Mocinho, bem mocinho, tipo aqueles de cara caroquenta pelas espinhas - mas já tirado o cueiro - alegando Sol forte, a quentura das altas temperaturas e a terra seca do Cafundó Nordestino, no qual aprumou mais ou menos a casa taipa, Nigritim montou o matulão com uns trapos rotos e uma quantidade considerável de matalotagem nas panelas, amarrou a boca da matula com um cadeado daqueles que fecham com segredo numerado - sempre ouvira falar que para onde estava indo, saqueadores, traficantes, sambistas, craqueiros e ladrões batiam caixas e tambores - e rumou, partiu predestinado a mudar de vida.

O novo cafundó? Cafundó, não; selva de pedra, São Paulo, megalópole que está situada no Sudeste do país chamado Brasil; e geograficamente, localizado na América do Sul. Naquele tempo, Paulo era um pouco santo, porém, quase sem Sol; contudo, claro e transparente feito sal. Explico: por trabalhar 24 h por dia, misturado as lágrimas, o suor escorria da cara de quem residia na citada capital e império do capital brasileiro. Negar essa verdade, é tolice.

Nigritim aportou na rodoviária e ficou pasmado com o povaréu, circulando atabalhoado feito um exército de formigas, em um curto espaço de terra. Por outro lado, aliviado por respirar novos ares. "Ufa, de vida seca à sabe-se lá o quê! Tremenda felina perigosa, tremenda onça de dentes afiados, eis que Nigritim aqui está para pegá-la pelas orelhas. E arretado que sou, digo que não sou presa fácil, portanto, de suas unhas felpudas não serei pego, consequentemente, por seus dentes afiados, não serei comido. Questão de honra...!"

Na semana seguinte, o filho da terra seca já circulava pela estrondosa, endinheirada e barulhenta megalópole. Fortalecendo os números estatísticos, levantava cedo, botava o embornal no ombro, caminhava uns bons metros de sua casa até o ponto de ônibus mais próximo; e de lá, pedia proteção ao Criador pelo rotineiro compromisso com a responsabilidade. Essa leve, porém dura realidade durou até o primeiro inverno.

Naquele tempo, São Paulo cuspia umidade nas baixas temperaturas. A badalada sensação térmica, tantas vezes aclamada pelos metereologistas, fazia bater o queixo, feito o porco queixada e sem nenhum exagero hiperbólico de linguagem, fazia tremer até as robustas estruturas de concreto.

- oxente, desculpe-me o palavrão Mainha e santo Padre, mas puta que o pariu: frio dos diabos. De santo, esse lugar não tem nada! E se o tiver, num faz milagre nem que a vaca espirre." Nigritim suportou o vento debochando, uivando, rugindo em seu ouvido por uma semana.

Em uma manhã de sábado de nuvens cinzentas e com semblante de poucos amigos, com o nariz e a cara queimados de frio, -as espinhas secaram, bateram em retirada - o cabra da peste, nominado Nigritim, foi à rodoviária itinerante clandestina que fica às ocultas, ora no Brás, ora no Bresser, ora no Belém, e comprou uma passagem, uma passagem só de ida para o cafundó. Cafundó Nordestino...

Ao retornar ao que Ele mais tarde qualificou de jardim do Éden, instruía os amigos, inimigos e vizinhos com fotos, imagens, palestras e conferências, dizendo que saiu de seu torrão seco por causa do Sol e por consequência, fugindo das altas temperaturas; porém, voltou depois de poucos meses, por causa do frio, das baixas temperaturas e da molhadeira oriunda da chuvarada.

Nigritim, se deu bem, tornando influencer. " Um coute nordestino que muito tem a dizer e ensinar sobre Sociologia, História, Filosofia e Geografia brasileira, óbvio!" - assim se intitula.

Atualmente, com o corpo cheio de bichos tatuados, caminha pelas ruas e avenidas do cafundó com óculos escuros na cara, piercings no umbigo, olhos e beiços; e penduricalhos adornado o pescoço e peito. O novo Nigritim dispensou até o jegue.

Por lá, ao vê-lo passar galanteador e esguio, o zunzunzum ecoa nas bocas: "Nigritim, é o cara! Quando não, "é o bicho"!

E Nigritim não decepcionava e vez para outra, enroscava a língua no arame farpado que disseram para Ele que é proveniente do idioma inglês: "itis veribodie com sangue na véia!"

Deveras, a competência e meritocracia superam a procrastinação imposta pelo medo do Sol e aliada à desajeitada enxada batida contra a terra árida, pela bocejante cama. Exato, da cama bocejante, pois quando a falta de coragem supera a imaginação, reflete até na cama em que o dorminhoco espoja o corpo. Daí, sobram holofotes, banquinhos, fama, microfones e YouTube.

Bau, bau. Fora do ar, fora do tempo, afinal, o desatualizado livro Vidas Secas não é lido por ninguém; então, Graciliano Ramos? Nunca mais.

- Nigritim é o cara, mano! Revolucionário dos bão, e é nosso, do Cafundó Nordestino, do sertão".

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 07/11/2023
Reeditado em 19/11/2023
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