Era

Infeliz da vida, não havia nada que o fizesse sorrir. Novelava os dedos polegares de uma tristeza incontida na cadeira de balanço. Dentes cariados pelos dias infindos. Crostas de tártaros amarelados pelos ocos e ecos do desprazer. Pororocas em enchentes. Vazios dos solos. Assim era Belarmindo em sua honesta e lamentável decência. Demência de cabeça, desilusão com a realidade atual ou carência afetiva? À noite, sacolejava a mente, cuja finalidade era para cair alguma resposta plausível que o contentasse. Não obstante, certo é que ele aniversaria neste mês e mais um ano esvaize-se pelos seus dedos e nada que satisfaça os seus obtusos e indelicados pensamentos.

Nota sobre Amizade

O leitor pode dizer: "ah, você escreve sobre suas amizades e não as minhas; pois meus amigos são pontuais e entre nós, prevalece a amizade sincera e honesta".

Reconheço que é meritório e digno de elogios. Diria que as minhas também são como as do leitor; exceto... (para não causar constrangimento, não citarei o nome. Apenas digo que é político influente na cidade, o filho é jogador de futebol e a filha atriz na mini série "Os decadentes") que é uma pessoa admirável, um gentleman de atos nobres. Nesse mês, parou as atividades rotineiras para dedicar-se aos mais carentes e tem ido de casa em casa, levar uma lembrancinha e um pouco de alegria para os residentes. As crianças esbaldam-se com ele vestido de papai noel. Às vezes me pego pensando porque não sou como ele.

No entanto, como todos nós temos pequenos e irrelevantes defeitos, não seria ele a passar ileso de conduta. E peca apenas em não ser plenamente confiável. No mais, ele é do fundo de minha casa; porque eu não sou de frequentar muito casa de amigos.

2 de Janeiro de 2018

A cada dia que se inicia os mares mudam de cor; e ainda que seja para a cor azul: do azul pálido desbotado pelo sol e agitação de suas águas, fato que lhe é peculiar durante o dia, para um azul límpido e vistoso pelo repouso das estrelas e silêncio da noite. Mares gostam e prezam pela calmaria.

Despertei como o mar. Meti a cara fora da janela. Uma brisa fresquinha varreu o ambiente. Lá fora quase nada de barulho. A cidade dormia. Podia ouvir os pássaros. Também não havia porquê: como os mares que se renovam de um dia para o outro, já não era mais ano novo. Gritei: "Feliz ano velho para vocês pássaros, para as árvores e folhagens que geram oxigênio e alimento, para as montanhas e colinas altas que reproduzem as águas nas fontes, para a brisa que alivia o calor da cara e quem mais quiser ouvir. Passada a euforia do tal de ano novo, é com o ano velho que remaremos as velas, cantaremos as boas novas, voaremos os ares, beijaremos as flores, contaremos estrelas, tocaremos o céu e banharemos nas águas quaisquer, em mais 363 dias. Amém."

363 dias é nada para uma vida longa mas é muito, tempo demais para um naufrágio inesperado. Tudo acontece em segundos. Sem que ninguém ouvisse, completei para os meus botões: "é o que espero, mas muitos barcos e navios pesqueiros de grande porte ficarão pelas águas e caminhos do mar. Ainda que longe de meu desejo, faz parte da seleção natural do tempo marítimo"

A vida é como as águas do mar: em constante movimento renovatório pelas mares. Depende a lua e outros fenômenos naturais, mas necessária renovação. Nem o ano novo, nem o velho e o mar suportam tanto marulhamento em seus ouvidos.

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 21/12/2017
Reeditado em 03/01/2018
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