Escre ver
O ofício da escrita viverá em mim
até o esgotamento de todos os tempos
Sem precisar de um motivo para tanto
Sem me bastar solenemente a vocação
Se não houver histórias a serem contadas
Escreverei até a morte física
e viverei até que o espírito se eleve
mas a cada dia terreno mais altivo
ele se torna pela razão literária
A maior importância da minha vida
se reserva ao legado poético
do nobre gesto de escrever
refletido no pensamento incansável
Preciso que o mundo herde
minha escrita obstinada e solícita
não porque pretendo significâncias
mas como retribuição de um dom
Realizo-me em cada letra escrita
Imortalizo-me a cada palavra lida
Rendo-me a tudo o que crio
Porque assim crio a mim mesma
E quanto mais escrevo
mais sinto que preciso mais
Posso escrever a vida inteira
ainda assim não é o suficiente
Para chegar à palavra exata
que resume a minha existência
A vida é breve e a arte é longa
Viver é pouco diante da escrita
capaz de tornar o pouco imenso
e de ressoar na memória humana
O que pretendo não é material
Longe da fama e do reconhecimento
O que eu quero é vencer o tempo
contra o qual a memória luta
na via de resistência escrita
porque o tempo pode ser
mais perverso que a mentira
e mais precioso que tudo
Escrevo para louvar o que há de melhor
em mim e naquilo que me cerca
na faina de lapidar o que é bruto
enquanto ainda me resta agradecer
por admirar e escrever