Alma palávrica
Cuidado com tudo que é capaz de ser grafado,
pois é lá que o oculto habita.
Nas palavras escondem-se os grandes segredos do mundo,
os misteriosos sussurros da vida,
as sublimes lembranças juvenis
e as delicadas sementes da emoção.
As paixões seriam inatingíveis sem os resquícios literários
a eternidade que se esconde entre as páginas,
consegue ser maior que o infinito fora delas.
Desconheço aquilo que não pode ser empalavrado,
a fonte humana que jorra os registros sempre foi e será a angústia
eis o vômito escarlate e pontiagudo do cruel que tudo inspira.
Escreva-me agora o que não achares descritível,
assim, verás que nada passa despercebido pelas letras
Mas essas letras que tanto me refugiam,
despem-se de toda formalidade que carregam
quando um significado paira sobre sua gramática reta,
e num sopro, a tinta negra que mancha o papel,
passa a ser luz do dia de uma carta inacabada,
a caneta formosa que dança no fundo branco
passa a ser uma arma atroz que tudo engole
e as almas sedentas por profundidade,
passam a ser corações ardentes no oceano
que separa a terra de sua ilha.
Vive entre os livros quem descobre o poder
emanado da força vital humana,
e encontra o reflexo de seus olhos infantis
na teia que espelha o retrato do sempre.
Já entre a escrita, não se vive,
apenas se abriga temporariamente sobre seu paradoxo radiante,
posto que escrever não é vida, mas sim o sonho fosco e retumbante.