Alma palávrica

Cuidado com tudo que é capaz de ser grafado,

pois é lá que o oculto habita.

Nas palavras escondem-se os grandes segredos do mundo,

os misteriosos sussurros da vida,

as sublimes lembranças juvenis

e as delicadas sementes da emoção.

As paixões seriam inatingíveis sem os resquícios literários

a eternidade que se esconde entre as páginas,

consegue ser maior que o infinito fora delas.

Desconheço aquilo que não pode ser empalavrado,

a fonte humana que jorra os registros sempre foi e será a angústia

eis o vômito escarlate e pontiagudo do cruel que tudo inspira.

Escreva-me agora o que não achares descritível,

assim, verás que nada passa despercebido pelas letras

Mas essas letras que tanto me refugiam,

despem-se de toda formalidade que carregam

quando um significado paira sobre sua gramática reta,

e num sopro, a tinta negra que mancha o papel,

passa a ser luz do dia de uma carta inacabada,

a caneta formosa que dança no fundo branco

passa a ser uma arma atroz que tudo engole

e as almas sedentas por profundidade,

passam a ser corações ardentes no oceano

que separa a terra de sua ilha.

Vive entre os livros quem descobre o poder

emanado da força vital humana,

e encontra o reflexo de seus olhos infantis

na teia que espelha o retrato do sempre.

Já entre a escrita, não se vive,

apenas se abriga temporariamente sobre seu paradoxo radiante,

posto que escrever não é vida, mas sim o sonho fosco e retumbante.

Flora Fernweh
Enviado por Flora Fernweh em 28/02/2020
Reeditado em 30/10/2021
Código do texto: T6876445
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