Do estro
Para o vate que às letras primeiras
há tempo ainda pouco se lançou,
pode a crítica mui dura parecer-lhe,
mas pode ser também bom medidor,
dado que tendem ao efeito, as letras,
de confundirem a mão do que escreve
ou que pretende com destreza escrever.
As letras fluem nítidas da pena
tão logo esta é embebida no tinteiro
e lançada à alvura do papel,
mas são imparciais, e a liberdade
é o maior e mais duro inimigo
do bardo que pretende forma fixa,
que persegue o ritmo e a métrica,
que se prende aos elos da estética,
que se perde nos dédalos da rima;
são antes, mais dadas ao que prima
por fazer poesia clara, vã e pura,
livre d’intentar a ação dialética.
O poema rimado é sonoro
se observados os fiéis lugares
das tônicas que insuflam o verso,
destarte aptas a musicarem
a poesia em seu etéreo universo,
mas é preciso arte e ciência
para ter-se um bom poema rimado,
que tem também a poesia a consciência,
que independe do estro do poeta,
da forma como se apresenta,
sempre incerta, mesmo em linha reta.
Versos brancos via de regra tendem
a luzirem mais claros, ou sinceros,
a ideia em tempo algum se perde
nos laços da rima e da métrica
que nos versos brancos inexistem,
e se há ainda os que insistem
em normatizarem versos libertos,
da própria liberdade os suprimem
e perdem, desta sorte, a poesia.
Outrossim, muito não importa como
lança o poeta suas letras ao papel,
desde que tenha a consciência plena
e, indubitavelmente, universal
da nobreza que guarda o uso da pena,
da beleza que há em formular poesia,
em fazer versos e querer grafá-los,
e declamá-los, e cantá-los, libertá-los.
Mais feliz será por certo o poeta
que não receie em cantar seus versos,
que não s’importe com censor severo,
que busque inspiração em seus universos,
que grafe suas letras com zelo e esmero,
sejam elas grafadas no papel,
no coração ou no pensamento,
nos rios, nas flores, nas estradas,
no sol, nas estrelas, no céu,
no flavo das noites enluaradas,
nas franjas do mar, ou no vento...