A Antiga e a Nova Dispensações
Partes de um sermão de Joseph Addison Alexander, traduzidas e adaptadas pelo Pr Silvio Dutra.
“E, desde os dias de João o Batista até agora, se faz violência ao reino dos céus, e pela força se apoderam dele.” (Mateus 11.12)
O que chamamos de velha economia ou antiga dispensação, foi um sistema temporário e preparatório, estendendo-se apenas para o advento do Salvador, ou, no máximo, para a conclusão da sua obra de salvação. Sua aparição necessariamente trouxe consigo uma mudança de dispensações, que havia sido prevista desde o começo. Mas este propósito divino tinha sido gradualmente perdido de vista, e os judeus tinham aprendido a considerar seu sistema temporário como perpétuo, e seus ritos simbólicos como intrinsecamente eficazes. Para tal estado de sentimento e opinião a revogação do sistema antigo parecia uma monstruosa revolução, uma catástrofe calamitosa, a perspectiva da qual chocou suas pressuposições mais fortes, e parecia destruir suas mais caras esperanças. A fim de corrigir esse erro, e preparar o caminho para o evento assim tão temido, mesmo por muitos judeus devotos, aprouve a Deus adotar um método que deveria simbolizar, e, por assim dizer, encarnar a verdadeira relação da antiga e a nova dispensação, e a mudança pela qual uma deveria substituir a outra.
Para garantir tal fim, Cristo não veio de forma abrupta, mas foi precedido por um precursor, cuja vida pessoal, e cujo ministério público, apresentasse, em uma espécie de tipo ou emblema, as características peculiares da Lei, em contraste com o Evangelho - ou melhor, que exibisse, em um ponto de vista, tanto os pontos de semelhança quando os de dissimilitude. Estes pontos são bastante óbvios. Como, por um lado, tanto a velha e a nova dispensação eram semelhantes da parte de Deus, igualmente genuínas e autoritativas; assim como ambas estavam destinadas para o benefício do homem, e, em última instância, para o benefício dos homens em geral; assim como o grande projeto de ambas era moral e espiritual, não sendo material e temporal; assim, por outro lado, enquanto que uma era provisória, a outra era permanente; uma era preparação para a outra, e por consequência necessária, inferior em dignidade; as características peculiares de uma eram, em grande medida, arbitrárias e convencionais, as da outra, necessárias e essenciais; uma era tipológica e cerimonial em seu caráter, a outra espiritual e substancial. Uma foi concebida para ensinar a necessidade e excitar o desejo daquilo que poderia ser totalmente fornecido apenas pela outra.
Estas semelhanças e contrastes dos dois grandes sistemas, deveriam ser incorporados na pessoa e no ministério de duas pessoas como seus representantes. Do evangelho, não foram necessários, tais representantes, exceto o próprio Cristo. Na empregada para representar a Lei, poderia ter sido esperado que estes pré-requisitos deveriam ser encontrados; que ele deveria ser pessoalmente próximo dAquele cujo caminho ele veio preparar; que ele deveria ser uma pessoa de alto escalão e de sagrada dignidade; que ele deveria viver, isolado do resto dos homens, com uma vida de austeridade abstinente; para que o tom moral, tanto de sua doutrina e exemplo, devessem ser elevados; que seus apelos deveriam ser diretamente dirigidos à consciência, e destinados a estimular o sentimento de culpa, perigo, necessidade, e fraqueza; que, por esta mesma razão, todo o seu ministério deveria ser prospectivo e preparatório, introdutório para algo intrinsecamente melhor e mais eficaz do que o seu. Tudo isso deveria ter parecido com a necessária antecedência no precursor que deveria simbolizar a velha dispensação, como distinta da nova; e tudo isso foi realmente percebido na pessoa e ministério de João o Batista. Ele era um parente de nosso Senhor; ele era um pouco mais velho, tanto na pessoa e no ofício; ele era de classificação e linhagem sacerdotal; o filho de eminentes pais piedosos; aquele cujo nascimento havia sido anunciado e acompanhado de mensagens do céu e interposições divinas marcantes; um Nazireu desde o ventre; um morador no deserto desde a juventude "até o dia da sua manifestação a Israel."
Com a antiga dispensação ele estava claramente conectado por profecias notáveis, como a voz do que clama no deserto. Preparai o caminho do Senhor - como o mensageiro que deveria vir diante do
Anjo do Pacto - como o novo Elias ou Elias, cujo ministério de espírito e poder do velho reformador deveria ser revivido em Judá, menos apóstata agora do que Israel era então. Sua conexão com a antiga dispensação foi feita ainda mais clara e marcante, por coincidências externas, providencialmente garantidas e feito notáveis. Seu local de habitação remonta ao daqueles que andaram errantes por quarenta anos no deserto, e à promulgação da lei sobre o Monte Sinai. Seu ministério no Jordão chamava a atenção para a travessia desse rio na conquista de Canaã. Suas vestes de pelos e refeições abstêmias, recordavam a todos os espectadores os profetas em geral, e Elias, em particular. Suas chamadas distantes para as pessoas saírem a ele, em vez de procurá-los em seus locais habituais de estância, era perfeitamente análoga à segregação e retiro do povo eleito sob a lei, e às instituições locais e restritivas da própria lei.
Com tudo isso concordou sua pregação, que foi preparatória. Ele chamou os homens ao arrependimento, como sendo algo essencial para a remissão dos pecados, mas ele não ofereceu uma remissão de si mesmo. Ele pregou o reino dos céus, e não como já estabelecido, mas como às portas. Descreveu a si mesmo como um mero precursor, inferior em dignidade e poder Àquele que viria a seguir, e para quem ele não era digno, na sua própria linguagem forte, para o ofício servil de desamarrar suas sandálias.
A mesma coisa é verdade em relação ao rito significativo, pelo qual sua pregação foi acompanhada, e da qual se originou o seu título. O batismo de João era apenas o precursor do batismo de Cristo - o batismo de arrependimento, como distinguido do batismo da fé - o batismo de água como distinguido do batismo de fogo e do Espírito Santo que ele pregou. A partir de tudo isto, é evidente que o ministério de preparação de João foi perfeitamente adaptado ao seu propósito providencial, que contém, e, por assim dizer, a personificação da verdadeira relação da antiga dispensação para a nova, da lei para o evangelho, não como sistemas rivais ou antagônicos, mas como o princípio e o fim, o início e a perfeição do mesmo grande processo.
Para que a semelhança do tipo e as coisas tipificadas pudesse ser completa, foi ordenado que o ministério de João, em vez de cessar quando nosso Senhor começou, deveria ser contemporâneo com ele por um tempo, assim como as antiga e nova dispensações, por razões providenciais importantes, deveriam fundir-se ou desvanecer-se uma em relação à outra, sem qualquer ponto de transição ou linha claramente definida de demarcação, de modo que a Igreja, sob suas ambas manifestações, pudesse manter a sua identidade, e ser, como o manto de seu Mestre, "sem costura, tecido a partir do alto a baixo." (João 19.23). A consequência disto foi que, enquanto alguns rejeitaram a ambas, e alguns passaram através de João, como uma escola preparatória para a recepção de Cristo, outros permaneceram na mesma após o seu trabalho de preparação ter sido concluído, assim como o corpo dos judeus, eventualmente, agarrou-se à dispensação mosaica, depois que esta tinha cumprido seu desígnio e foi substituída pela dispensação do Filho e do Espírito. Por isso não é, talvez, surpreendente que as provas da messianidade de Jesus devam ter parecido inconclusivas para os judeus. É muito mais surpreendente que a fé do próprio João deveria parecer vacilar, depois de sua prisão, como algo suposto e implícito em sua mensagem, enviada por dois de seus discípulos para nosso Senhor: És tu aquele que há de vir, ou estamos à espera de outro? No entanto facilmente pode se explicar isso, por supor que se destinava apenas para confirmar a fé ou dissolver as dúvidas de seus discípulos, nenhuma dessas soluções é absolutamente necessária, ou tão natural como aquela que, supõe que a mensagem foi expressiva dos próprios receios de João, na verdade não em relação à pessoa de Cristo, que tinha sido feita conhecida a ele por revelação especial, e para a qual ele tinha dado várias vezes e publicamente testemunho, senão com respeito ao método de proceder de nosso Salvador, que parece ter partido muito do espírito e das formas do Antigo Testamento, para ser inteiramente satisfatório ou mesmo inteligível para o último profeta da velha economia, cuja inspiração não alcançou o fechamento do sistema que foi aniquilado em Cristo. A pessoa do próprio Cristo, como o fundador de uma nova dispensação, ele reconheceu claramente, mas ele não parece ter sido preparado, por qualquer ensinamento divino, para a revolução total no modo externo de servir a Deus e salvar almas, que começou a ser divulgado no ministério pessoal de Cristo.
Que esta é a verdadeira solução da aparente vacilação de João - ou seja, que ele ficou parado no chão do Antigo Testamento, e ainda pertencia à dispensação judaica, e foi, portanto, não preparado, sem uma revelação especial, que não tinha sido proferida a ele, para entender ou apreciar o novo estado de coisas que Cristo tinha começado a introduzir - pode ser deduzido a partir do tratamento que nosso Salvador deu à sua mensagem. Depois de enviar de volta os mensageiros, com uma referência aos milagres que eles haviam contemplado, como provas de sua messianidade, ele parece ter se apressado para prevenir qualquer inferência injusta ou desfavorável, pelas multidões, a partir do que eles tinham acabado de ouvir, como se João Batista havia retraído seu testemunho ou vacilado em sua própria crença. Para este fim, ele lhes lembrou, em termos vívidos e figurativos, peculiarmente adaptados para uma audiência oriental, que quando eles saíram em grandes multidões para o deserto, para ouvirem e serem batizados por João, o homem a quem eles tinham procurado e encontrado ali, era muito mais do que um caniço agitado pelo vento - um homem de temperamento inconstante, ou de julgamento incerto, flutuante - e alguém diferente dos cortesões de linguagem suave e de vestes esplêndidas, que suprimiam a verdade para lisonjear e conciliar seus ouvintes. Ao contrário, eles sabiam que João Batista era eminentemente arrojado, intransigente, proclamador da verdade de Deus, e contra os pecados dos homens. Seria uma loucura, portanto, supor que seu testemunho idôneo relativo à messianidade de nosso Senhor, ou que foi dado sem sinceridade, através do medo dos homens e o desejo de agradá-los, ou que foi agora retraído, a partir de uma vacilação de fé ou inconstância de temperamento. Isto seria inconcebível em um homem, embora sem inspiração; quanto mais em um profeta - um profeta no pleno e mais alto sentido da expressão do Antigo Testamento - um profeta igual em autoridade a todos o que tinham sido antes dele; ou melhor, um superior a todos eles, como o imediato precursor da nova dispensação, como o último na longa série de profetas do Antigo Testamento, em quem a sucessão deveria cessar ou a quem ele deveria passar e ser para sempre mesclada no ministério profético do próprio Cristo.
As mesmas considerações, portanto, que exaltaram João Batista na escala da antiga dispensação, provaram que ele pertencia a ela, e não à nova. Enquanto ainda era verdade que não teve nunca antes aparecido um homem maior, quando medido por esse padrão, era igualmente verdade que o menor no reino do céu - a nova dispensação - era maior que ele, ou seja, mais esclarecido quanto à natureza daquela nova dispensação e os pontos em que diferia da velha, e mais capaz, tanto para apreciar e colocar em prática esta nova forma de divina administração, que até mesmo o maior deles, que, embora investido com autoridade divina, mas ainda era ministro do antigo sistema restritivo, e poderia, portanto, se esperar sentir alguma surpresa, se não desprazer, no desuso súbito dos métodos antigos, a negligência de meras externalidades, de modo inseparável daquela religião sob as instituições mosaicas, e a derrubada das barreiras, não somente, entre judeus e pecadores notórios de sua própria raça, mas entre eles e os gentios.
“E, desde os dias de João o Batista até agora,” isto é, uma vez que o trabalho do meu antecessor foi concluído, e meu começou “se faz violência ao reino dos céus, e pela força se apoderam dele.”
Que isso não se refere a perseguição, é evidente do fato notório, que a única perseguição que tinha ocorrido até então, foi a do próprio João, que acabara de ser excluído do reino do céu no sentido técnico distintivo, ou, pelo menos, atribuído a ele o lugar mais baixo no reino, o que, de fato, se infere pelo seu tratamento por seus inimigos a ser considerado ou descrito como aquele experimentado pelo reino do céu. Igualmente incorreta é a suposição, que a violência aqui mencionada em conexão com o reino do céu, é ativa, não passiva - o reino do céu exerce violência ou poder irresistível sobre os homens. Isto está igualmente em desacordo com o uso das palavras imediatamente em questão e com a outra frase - os violentos o tomam pela força. A única interpretação natural é aquela que converte o todo como uma ousada e forte, mas marcante e inteligível figura, para denotar o entusiasmo e a liberdade de restrição, com que os homens de todas as classes e caráter, fariseus e publicanos, santos e pecadores, judeus e gentios, haviam começado ou estavam prestes a começar a pressionar a entrada no reino dos céus, através ou acima de barreiras, moral, legal, cerimonial, ou natural.
A imagem particular mais prontamente sugerida pelas palavras, é, talvez, a de uma fortaleza mantida por uma guarnição veterana, mas que de repente é aberta pelo seu novo comandante, que nela entrou impetuosamente com o que parece ser uma multiplicidade de inimigos. Mas depois de um tempo percebe-se que aqueles que têm, assim, tumultuosamente entrado, não são inimigos, mas amigos.
Em alguns pontos esta comparação, como todas as demais, não se sustenta bem; mas pode servir para ilustrar a diferença essencial entre as expectativas de João Batista, e o curso realmente tomado por nosso Salvador, que usou as palavras do texto: “E, desde os dias de João o Batista até agora, se faz violência ao reino dos céus, e pela força se apoderam dele.”