Nascer da Água e do Espírito Santo - Comentário de João 3.5
Por João Calvino
“Respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus.” (João 3.5)
“A menos que um homem nasça da água”. Esta passagem tem sido explicada de várias maneiras. Alguns têm pensado que as duas partes da regeneração estão apontadas claramente, e que pela palavra água é indicada a renúncia ao velho homem, enquanto pelo Espírito compreende a nova vida. Outros pensam que há um contraste implícito, como se Cristo contrastasse água e Espírito, que são puros elementos, com a natureza terrena e bruta do homem. Assim, eles veem a linguagem como alegórica, e supõem que Cristo ensinou que devemos deixar de lado a massa da pesada carne, e tornar-nos como a água e o ar, que podem se mover livremente. Mas ambas as opiniões me parecem estar em contradição com o significado de Cristo.
Crisóstomo, com quem a maior parte dos expositores concordam, faz com que a palavra água se refira ao batismo. O significado seria então, que pelo batismo entramos no reino de Deus, porque no batismo somos regenerados pelo Espírito de Deus. Daí surgiu a crença da necessidade absoluta do batismo, a fim de se ter a esperança da vida eterna. Mas, ainda que nós fôssemos admitir que Cristo fala aqui do batismo, ainda que não devemos pressionar suas palavras tão fortemente a ponto de imaginar que ele confina a salvação ao sinal externo; mas, pelo contrário, ele conecta a água com o Espírito, porque por esse símbolo visível ele atesta e sela aquela novidade de vida que só Deus produz em nós pelo seu Espírito. É verdade que, por negligenciar o batismo, somos excluídos da salvação; e neste sentido, reconheço que é necessário; mas é absurdo falar da esperança de salvação como confinada ao sinal. Até onde nos leve o que se refere esta passagem, eu não posso ser levado a crer que Cristo fala do batismo; porque isso teria sido inapropriado.
Devemos sempre ter em mente o propósito de Cristo, o qual já temos explicado; ou seja, que tinha a intenção de exortar Nicodemos à novidade de vida, porque ele não seria capaz de receber o Evangelho, até que começasse a ser um novo homem. É, portanto, uma simples declaração, que devemos nascer de novo, a fim de que possamos ser filhos de Deus e que o Espírito Santo é o autor deste segundo nascimento. Porque enquanto Nicodemos estava sonhando com a regeneração (palingenesia) ou transmigração ensinada por Pitágoras, que imaginou que as almas, depois da morte de seus corpos, passam para outros corpos, Cristo, a fim de curá-lo desse erro, acrescentou, à guisa de explicação, que não é de uma forma natural que os homens nascem uma segunda vez, e que não é necessário que sejam revestidos de um novo corpo, mas que são nascidos quando são renovados na mente e no coração pela graça do Espírito.
Assim, ele empregou as palavras Espírito e água para significar a mesma coisa, e isso não deve ser considerado como uma interpretação severa ou forçada; pois é uma forma frequente e comum de se falar na Escritura, quando o Espírito é mencionado, adicionar a palavra água ou fogo, expressando seu poder. Às vezes, encontrar-se com a declaração, que é Cristo que batiza com o Espírito Santo e com fogo (Mateus 3:11; Lucas 3:16), onde o fogo não significa nada diferente do Espírito, mas apenas mostra o que é a sua eficácia em nós. Saber porque a palavra água é colocada em primeiro lugar, é de pouca importância; ou melhor, este modo de falar flui mais naturalmente do que o outro, porque a metáfora é seguida por uma declaração simples e direta, como se Cristo tivesse dito que o homem não é um filho de Deus, até que ele tenha sido renovado pela água, e que esta água é o Espírito que nos purifica de novo e que, por espalhar sua energia sobre nós, dá-nos o vigor da vida celestial, embora por natureza, sejamos totalmente secos. E mais apropriadamente o faz Cristo, a fim de reprovar Nicodemos por sua ignorância, empregando uma forma de expressão que é comum na Escritura; porque Nicodemos deveria pelo menos ter reconhecido, que o que Cristo tinha dito foi extraído da doutrina comum dos Profetas.
Pela água, portanto, significa nada mais do que a purificação interior e fortalecimento, que é produzido pelo Espírito Santo.
Traduzido e adaptado por Silvio Dutra.