Comentário de João 8.33
Por João Calvino
“Responderam-lhe: Somos descendência de Abraão e jamais fomos escravos de alguém; como dizes tu: Sereis livres?” (João 8.33)
(Nota do tradutor: No comentário deste versículo nós vemos quão perigoso é para o destino eterno da nossa alma, que estejamos apegados a alguma forma de orgulho religioso, especialmente nos casos em que este foi adquirido por conta de tradição religiosa familiar ou de nossos antepassados, ou ainda da nação ou grupo em que vivemos. A situação do orgulho dos judeus que aqui será vista, pode ser estendida a todos os demais, pois ninguém mais do que eles, poderia abrigar sentimentos de que já eram salvos, por conta da aliança que Deus havia feito com eles através de Moisés, e com nenhuma outra nação da terra, e todavia, nós os encontramos sendo admoestados por Cristo a não colocarem a sua confiança no fato de que por conta disto fossem salvos de fato, uma vez que não é por condição religiosa que somos salvos, mas por uma obra de libertação da graça divina operando em nosso coração, tornando-nos novas criaturas em Cristo Jesus.)
“Somos descendência de Abraão”. É incerto se o evangelista se refere aqui às mesmas pessoas das quais havia falado antes, ou a outros. Minha opinião é que é àqueles responderam a Cristo de forma confusa, como geralmente acontece em uma multidão promíscua; e que esta contenda foi feita sim por desprezadores do que por aqueles que acreditaram. É um modo de expressão muito habitual nas Escrituras, sempre que parte de um povo é mencionada, atribuir em geral, a todos o que pertence apenas àquela parte.
Daqueles que objetaram que eles eram descendentes de Abraão, e que sempre foram livres, facilmente se infere das palavras de Cristo, qual liberdade foi prometida a eles como para pessoas que eram escravas. Mas eles não podem suportar o que lhes é dito, que sendo um povo santo e eleito, estava reduzido à escravidão Para qual proveito foi a adoção e aliança (Romanos 9.4), pela qual eles foram separados de outras nações, senão para que fossem contados filhos de Deus? Eles acham que, por isso, que eles são insultados, quando a liberdade é exibida para eles como uma bênção que eles ainda não possuem. Mas pode ser pensado estranho que eles devam afirmar que nunca foram escravizados, uma vez que tinham sido tão frequentemente oprimidos por vários tiranos, e naquela época estavam submetidos ao jugo romano, e gemiam sob o jugo mais pesado de escravidão; e, assim, isto pode ser facilmente visto, a saber, quão tola era sua jactância.
Traduzido e adaptado por Silvio Dutra.