Comentário de Judas 1.1,2
Por João Calvino
Combatendo o Mal nas Fileiras do Próprio Exército
Nosso Senhor Jesus Cristo reprovou e repreendeu severamente os religiosos nos dias de Seu ministério terreno por causa de sua ganância e hipocrisia.
E estes religiosos não eram os de uma nação estrangeira, senão da própria nação israelita que era a guardiã da aliança que Deus fizera com eles, e da Lei divina que lhes fora dada pela mediação de Moisés.
Quem não lembra do trovão retumbante que o Senhor Jesus Cristo disparou sobre os sacerdotes, escribas e fariseus, sob o epíteto “ai de vós escribas e fariseus hipócritas!”? (Mateus 23)
Eles não somente haviam, por causa de sua hipocrisia e ganância, por gerações seguidas, e por séculos, sempre se desviado do cumprimento dos mandamentos de Deus, e não somente isto, também haviam adulterado a Lei acrescentando-lhe ordenanças de homens.
Pelo mesmo motivo, vemos os apóstolos do Senhor, em suas epístolas do Novo Testamento condenando a ganância e a hipocrisia dos falsos pastores e mestres.
Nós vemos isto especialmente nas epistolas de Pedro (2ª) e Judas.
E assim como sucedeu ao povo de Israel no período do Velho Testamento estando sob os sacerdotes e demais religiosos que tinham por dever ensinar e guardar os mandamentos de Deus, de igual modo tem sucedido à Igreja ao longo da sua história de cerca de 2.000 anos, com os pastores, profetas e mestres que em vez de pregarem e ensinarem o genuíno evangelho de Cristo, têm em sua grande maioria não somente ocultado a mensagem da cruz, como também têm-na adulterado com suas invenções e artifícios religiosos que não cumprem a ordenança de Jesus Cristo de se pregar e ensinar somente a verdade com vistas à salvação e santificação dos pecadores.
Portanto, farão um grande e eterno bem às suas almas todos aqueles que se guardarem de ouvir e seguir os falsos cristos, pastores, profetas e mestres dos quais nosso Senhor nos alertou para que nos acautelássemos deles e de sua hipocrisia, especialmente nos dias do tempo do fim que têm chegado a nós; pois o intento deles, pela inspiração de Satanás é tão somente o de nos manter cativos ao pecado e por conseguinte sujeitos à condenação eterna.
Uma introdução aos comentários das epístolas de Judas e 2ª Pedro, pelo Pr Silvio Dutra.
1. Judas, servo de Jesus Cristo, e irmão de Tiago, aos chamados, santificados em Deus Pai, e conservados por Jesus Cristo:
2. Misericórdia, e paz, e amor vos sejam multiplicados.
1. “Judas, servo de Jesus Cristo”. Ele se denomina servo de Cristo, não do modo como o nome se aplica a todos os santos, mas com respeito ao seu apostolado; porque eram considerados peculiarmente servos de Cristo aqueles a quem fora confiado algum ofício público. E sabemos por que os apóstolos costumavam
atribuir a si mesmos este nome honorífico - todo aquele que não é chamado arroga-se presunçosamente o direito e a autoridade de ensinar. Nesse caso, o chamado dos apóstolos era uma evidência para eles de que não se lançaram ao seu ofício por vontade própria. Embora, não fosse suficiente serem designados para o seu ofício, se não o desempenhassem fielmente. E, sem dúvida, aquele que se declara servo de Deus inclui estas duas coisas, ou seja, que Cristo é o conferidor do ofício que exerce, e que ele realiza fielmente o que lhe foi confiado. Muitos agem falsamente, e falsamente se gloriam do que estão muito longe de ser;
devemos sempre examinar se a realidade corresponde à profissão.
E irmão de Tiago. Ele menciona um nome mais celebrado do que o seu, e mais conhecido das igrejas. Embora a fidelidade da doutrina e a autoridade não dependam dos nomes de homens mortais, é uma confirmação para a fé quando a integridade do homem que assume o ofício de um mestre nos é assegurada. Além disso, a autoridade de Tiago não é apresentada aqui como a de uma pessoa particular, e sim porque ele era considerado por toda a Igreja como um dos principais apóstolos de Cristo. Ele era filho de Alfeu, conforme eu disse em outro lugar. Não somente isto, mas esta passagem é para mim prova suficiente contra Eusébio e outros que dizem que este era um discípulo chamado Oblias [Tiago], mencionado por Lucas em At 15:13; 21:18, o qual era mais eminente do que os apóstolos na Igreja. Mas não há dúvida de que Judas menciona aqui seu próprio irmão porque este era eminente entre os apóstolos. Nesse caso, é provável que ele fosse aquele a quem fora concedida a honra principal pelo restante, de acordo com o que relata Lucas.
Aos santificados por Deus Pai, ou, aos chamados, santificados, etc. Por esta
expressão, “chamados”, ele denota todos os fiéis, porque o Senhor os tem separado para si. Mas, como o chamado não é nada mais do que o efeito da eleição eterna, às vezes é empregado em lugar desta. Nesta passagem faz pouca diferença em que sentido é entendido, pois não há dúvida de que ele lhes recomenda a graça de Deus, pela qual lhe aprouve escolhê-los como seu tesouro peculiar. E ele sugere que os homens não se antecipam a Deus, e que eles nunca vêm até ele enquanto ele não os atrai.
Do mesmo modo, ele diz que eles eram: santificados em Deus Pai, o que pode
ser traduzido como: “por Deus Pai”. No entanto, retive a forma exata da expressão, para que os leitores exercitem o seu próprio julgamento. Pois talvez
o sentido seja este - de que, sendo em si mesmos profanos, eles tinham a sua
santidade em Deus. Mas a maneira em que Deus santifica é nos regenerando pelo seu Espírito.
Outra leitura, que a Vulgata adotou, é um tanto áspera: “aos amados (egapemenois) em Deus Pai”, em vez de “aos santificados em Deus Pai”. Por isso a considero corrupta e, de fato, encontra-se apenas em algumas cópias.
Ele ainda acrescenta que eles eram conservados em Jesus Cristo. Pois estaríamos sempre em perigo de morte por causa de Satanás, que poderia nos apanhar como presa fácil a qualquer momento se não estivéssemos a salvo sob a proteção de Cristo, a quem o Pai concedeu para ser o nosso guardião, para que não pereça nenhum daqueles que ele recebeu sob o seu cuidado e abrigo.
Judas então menciona aqui uma tripla benção, ou favor de Deus, com respeito a todos os santos - que pelo seu chamado ele fez deles participantes do evangelho; que ele os regenerou, pelo seu Espírito, para a novidade de vida; e que ele os tem preservado por meio de Cristo, para que não decaiam da salvação.
2. “Misericórdia... vos seja”. Misericórdia claramente significa o mesmo que graça nas saudações de Paulo. Se alguém desejar uma distinção refinada, pode-se dizer
que graça é propriamente o efeito da misericórdia; pois não há outra razão pela qual Deus nos tenha abraçado em amor, senão porque ele se apiedou das nossas misérias. Amor pode-se entender como o de Deus para com os homens, bem como o dos homens uns para com os outros. Se for referido a Deus, o sentido é de que aumentasse para com eles, e que a certeza do amor divino fosse diariamente mais e mais confirmada em seus corações. O outro sentido, porém, de que Deus despertasse e confirmasse neles o amor mútuo, não é inadequado.