Comentário de 2 Tessalonicenses 2.13
Por João Calvino
“Mas devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados do Senhor, por vos ter Deus elegido desde o princípio para a salvação, em santificação do Espírito, e fé da verdade;” (2 Tessalonicenses 2.13)
“Mas devemos sempre dar graças”. Agora Paulo separa mais abertamente os tessalonicenses dos réprobos, a fim de que a fé deles não vacilasse pelo temor da rebelião que deveria acontecer. Ao mesmo tempo, ele tinha em vista considerar não apenas o bem-estar deles, mas também o da posteridade. E ele não apenas os confirma para que não caiam no mesmo precipício com o mundo, mas através desta comparação, exalta ainda mais a graça de Deus para com eles, pelo fato de que, embora vejam praticamente todo o mundo compelido ao mesmo tempo para a morte, como que por uma violenta tempestade; eles são, pela mão de Deus, mantidos em uma condição de vida tranquila e segura. Assim, devemos contemplar os juízos de Deus sobre os réprobos de tal modo que possam ser para nós como que espelhos, para considerarmos a sua misericórdia para conosco. Pois devemos deduzir esta conclusão – de que é exclusivamente devido à graça singular de Deus que não perecemos miseravelmente com eles.
Ele os chama de amados do Senhor por esta razão – para que melhor considerem que a única razão pela qual estão isentos da ruína quase que universal do mundo é porque Deus exerceu para com eles amor imerecido. Assim Moisés admoestou os judeus: “Deus não vos exaltou tão magnificamente porque fosseis mais fortes do que outros, ou fosseis numerosos, mas porque amou a vossos pais” (Dt 7:7-8). Pois, quando ouvimos o termo amor, aquela declaração de João deve imediatamente ocorrer à nossa mente – não que o amamos primeiro (1 Jo 4:19). Em suma, aqui Paulo faz duas coisas; pois ele confirma a fé, para que os que são piedosos não se deixem vencer pelo temor, e os exorta à gratidão, para que valorizem tanto mais a misericórdia de Deus para com eles.
“Por vos ter Deus elegido”. Ele declara a razão pela qual nem todos são envolvidos e tragados na mesma ruína – porque Satanás não tem poder algum sobre aqueles que Deus escolheu, de modo a impedi-los de serem salvos, ainda que o céu e a terra sejam confundidos. Esta passagem é lida de diversas maneiras.
O intérprete antigo traduziu-a como primeiros frutos, como estando no grego aparchen ; mas como quase todos os manuscritos gregos trazem aparchos segui de preferência esta leitura. Se alguém preferir primeiros frutos, o sentido será que os crentes foram, por assim dizer, postos de lado para uma oferta sagrada, por uma metáfora tirada do costume antigo da lei. Contudo, mantenhamos o que é mais geralmente aceito, que ele afirma que os tessalonicenses foram escolhidos desde o princípio.
Alguns entendem que o sentido é que eles foram chamados entre os primeiros; mas isto é estranho ao sentido de Paulo, e não está de acordo com o contexto da passagem. Pois ele não isenta do temor apenas alguns indivíduos, que haviam sido levados a Cristo logo no princípio do evangelho, mas esta consolação pertence a todos os eleitos de Deus, sem exceção. Portanto, quando diz: desde o princípio, ele quer dizer que não há perigo de que a salvação deles, que está fundamentada na eleição eterna de Deus, seja subvertida, sejam quais forem as mudanças tumultuosas que possam ocorrer. “Por mais que Satanás possa misturar e confundir todas as coisas no mundo, vossa salvação, apesar disso, foi colocada em uma posição de segurança, antes da criação do mundo”. Portanto, aqui está o verdadeiro porto de segurança, que Deus, que nos escolheu desde a antiguidade, nos livrará de todos os males que nos ameaçam. Pois somos eleitos para a salvação; portanto, estaremos seguros da destruição. Mas, como não cabe a nós penetrar no conselho secreto de Deus, para encontrar aí a certeza da nossa salvação, ele especifica sinais e indícios de eleição, que deveriam nos bastar para a certeza acerca dela.
Em santificação do espírito, diz ele, e fé da verdade. Isto pode ser explicado de duas maneiras; com santificação, ou por santificação. Não é de muita importância qual dos dois você escolha, pois é certo que Paulo pretendia simplesmente apresentar, em conexão com a eleição, aqueles sinais mais imediatos que manifestam a nós o que em sua própria natureza é incompreensível, e estão associados a ela por um elo indissolúvel. Por isso, a fim de que saibamos que somos eleitos por Deus, não há razão para inquirirmos quanto ao que ele decretou antes da criação do mundo; mas encontramos em nós mesmos uma prova satisfatória de que ele nos tem santificado pelo seu Espírito – se ele nos tem iluminado na fé do seu evangelho. Pois o evangelho é para nós uma evidência da nossa adoção; e o Espírito o sela; e aqueles que são guiados pelo Espírito estes são filhos de Deus (Rom 8.14); e aquele que pela fé possui a Cristo tem a vida eterna (1 Jo 5.12). Estas coisas devem ser atentamente observadas para que, desprezando a revelação da vontade de Deus, com a qual ele nos manda permanecermos santificados, não mergulhemos em um labirinto profundo por um desejo de extraí-la a partir do seu conselho secreto, de cuja investigação ele nos afasta. Por isso, convém que fiquemos satisfeitos com a fé do evangelho, e com aquela graça do Espírito pela qual temos sido regenerados. E, deste modo, é refutada a impiedade daqueles que fazem da eleição de Deus um pretexto para todo o tipo de iniquidade, ao passo que Paulo a relaciona com a fé e a regeneração de tal modo que ele não queria que a julgássemos sobre qualquer outro fundamento.