Comentário de 2 Tessalonicenses 2.15
Por João Calvino
“15. Então, irmãos, estai firmes e retende as tradições que vos foram ensinadas, seja por palavra, seja por epístola nossa.
16. E o próprio nosso Senhor Jesus Cristo e nosso Deus e Pai, que nos amou, e em graça nos deu uma eterna consolação e boa esperança,
17. Console os vossos corações, e vos confirme em toda a boa palavra e obra.”
Paulo deduz esta exortação, com bons motivos, a partir do que vem antes; porquanto nossa firmeza e poder de perseverança não se apoiam em nada mais do que na certeza da graça divina. Quando, porém, Deus nos chama para a salvação, como que estendendo a nós sua mão; quando Cristo, pela doutrina do evangelho, se apresenta a nós para ser desfrutado; quando o Espírito nos é dado como um selo e penhor da vida eterna; ainda que o céu caia, não podemos ficar abatidos. Portanto, Paulo queria que os tessalonicenses permanecessem de pé, não apenas quando outros continuam de pé, mas com uma estabilidade ainda mais segura; de modo que, ao ver quase todos se desviando da fé, e todas as coisas cheias de confusão, eles retenham o seu lugar. E, certamente, o chamado de Deus deveria nos fortalecer contra todas as ocasiões de escândalo, de tal modo que nem mesmo a ruína de todo o mundo abalasse, muito menos subvertesse, a nossa estabilidade.
15. “Retende as tradições”. Alguns restringem isto a preceitos de conduta exterior; mas isto não me contenta, pois ele aponta para o modo de permanecer firme. Ora, estar equipado com força invencível é muito mais do que disciplina exterior. Por isso, em minha opinião, ele inclui toda a doutrina sob este termo, como se tivesse dito que eles têm um fundamento sobre o qual podem permanecer firme, desde que perseverem na sã doutrina, conforme o que haviam sido instruídos por ele. Não nego que o termo paradoseis seja adequadamente aplicado às ordenanças que são estabelecidas pelas igrejas, com vistas à promoção da paz e à manutenção da ordem; e admito que é empregado neste sentido quando se tratam de tradições humanas (Mt 15.6). Contudo, Paulo será encontrado no próximo capítulo fazendo uso do termo tradição, no sentido da regra que havia formulado, e a própria significação do termo é genérica. O contexto, porém, conforme eu disse, exige que ela seja entendida aqui no sentido da totalidade daquela doutrina na qual eles haviam sido instruídos. Pois o assunto tratado é o mais importante de todos – que a fé deles permanecesse segura em meio a uma terrível agitação da Igreja.
Os papistas, porém, fazem um uso indevido desta passagem ao deduzirem a partir disto que suas tradições deveriam ser observadas. Na verdade, eles raciocinam da seguinte maneira – que, se era permissível para Paulo prescrever tradições, também era permissível para outros mestres; e que, se era algo piedoso observar as primeiras, as últimas também não deveriam ser menos observadas. Contudo, concedendo-lhes que Paulo fala de preceitos pertencentes ao governo exterior da Igreja, digo que, não obstante, eles não foram inventados por ele, mas comunicados divinamente. Pois ele declara em outro lugar (1 Co 7:35) que não era sua intenção prender as consciências, pois isto não era lícito, nem para si, nem para todos os apóstolos juntos. Eles fazem um uso ainda pior, ao fazer do seu objetivo passar, sob isto, o escoadouro abominável de suas próprias superstições, como se fossem as tradições de Paulo. Mas, “adeus” para essas ninharias, quando estamos na posse do verdadeiro sentido de Paulo. E podemos julgar, em parte através desta Epístola, que tradições ele recomenda aqui, pois diz: quer por palavra, ou seja, discurso, ou por epístola. Ora, o que estas Epístolas contêm senão a pura doutrina, que subverte o próprio fundamento de todo o papado, e toda a invenção que esteja em desacordo com a simplicidade do Evangelho?
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