Comentário de 2 Tessalonicenses 3.6-8

Por João Calvino

“6. Mandamo-vos, porém, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que vos aparteis de todo o irmão que anda desordenadamente, e não segundo a tradição que de nós recebeu.

7. Porque vós mesmos sabeis como convém imitar-nos, pois que não nos houvemos desordenadamente entre vós,

8. Nem de graça comemos o pão de homem algum, mas com trabalho e fadiga, trabalhando noite e dia, para não sermos pesados a nenhum de vós.”

Agora Paulo passa à correção de um erro particular. Como havia algumas pessoas indolentes, e ao mesmo tempo curiosas e palradoras que, a fim de acumularem uma subsistência às custas de outros, andavam de casa em casa, ele proíbe que a indolência deles fosse encorajada pela indulgência, e ensina que vivem piamente aqueles que obtêm para si as coisas necessárias da vida através de trabalho útil e honroso. E, antes de tudo, ele aplica o apelativo de pessoas desordeiras, não àqueles que são de vida dissoluta, ou àqueles cujo caráter está manchado por crimes flagrantes, e sim a pessoas indolentes e indignas que não se empregam em nenhuma ocupação honrosa e útil. Pois isto na verdade é ataxia )desordem) – não considerar com que propósito fomos criados, e regular nossa vida com vistas a esse fim, ao passo que é somente quando vivemos de acordo com a regra prescrita a nós por Deus que esta vida está devidamente regulada. Seja esta ordem posta de lado, e não há nada além de confusão na vida humana. Isto, também, é digno de ser observado, para que ninguém tenha prazer em se exercitar sem um legítimo chamado da parte de Deus; pois Deus distinguiu de tal modo a vida dos homens, a fim de que cada um possa se dispor em proveito dos outros. Portanto, aquele que vive somente para si, assim não sendo útil de modo algum à raça humana, e mais ainda, sendo um fardo para outros, não prestando auxílio a ninguém, é, com bom fundamento que deve ser considerado ataktos (desordeiro). Por isso Paulo declara que tais pessoas devem ser separadas da sociedade dos crentes, para que não tragam desonra à Igreja.

6. “Mandamo-vos, porém, em nome”. Erasmo traduz isto como: “pelo nome”, como se isto fosse uma súplica. Embora não rejeite totalmente esta tradução, ao mesmo tempo, sou mais da opinião de que a partícula em é redundante, assim como em muitas outras passagens; e isto de acordo com o idiomatismo hebraico. Assim, o significado seria que este mandamento deveria ser recebido com reverência, não como da parte de um homem mortal, e sim como da parte do próprio Cristo; e Crisóstomo explica-o assim. Este afastamento, seja de quem ele fale, relaciona-se não com a excomunhão pública, e sim com o relacionamento particular. Pois ele simplesmente proíbe que os crentes tenham qualquer relacionamento familiar com ociosos desta sorte, que não têm nenhum meio honroso de vida no qual possam se exercitar. Contudo, ele diz expressamente: de todo o irmão, porque, se confessam ser cristãos, eles são mais intoleráveis do que todos os outros, porquanto são, de certo modo, as manchas da religião.

“Não segundo a tradição”, a saber, a que o encontramos acrescentando pouco depois – que não se deveria dar alimento ao homem que se recusa a trabalhar. Antes de passar a isto, porém, ele declara que exemplo lhes dera em sua própria pessoa. Pois a doutrina adquire muito mais crédito e autoridade quando não impomos a outros outro fardo senão o que tomamos sobre nós mesmos. Ora, ele menciona que ele mesmo estivera ocupado trabalhando com suas próprias mãos de dia e de noite, para não sobrecarregar a ninguém com despesas. Ele também havia tratado um pouco desta questão na Epístola anterior – à qual meus leitores devem recorrer para uma explicação mais completa deste ponto.

Quanto ao seu dito de que não havia comido de graça o pão de homem algum, certamente ele não teria feito isto, ainda que não tivesse trabalhado com suas próprias mãos. Pois o que é devido no caminho da justiça não é algo gratuito, e a recompensa do trabalho que os mestres dispõem em favor da Igreja é bem maior do que o alimento que recebem dela. Mas Paulo tinha em vista aqui pessoas inconsideradas, pois nem todos têm tanta equidade e discernimento para considerar que remuneração é devida aos ministros da palavra. Mais ainda, tal é a mesquinhez de alguns que, embora não contribuam com nada de si mesmos, eles invejam a subsistência destes, como se fossem homens ociosos. Ele também declara logo em seguida que abrira mão de seus direitos, quando se absteve de tomar qualquer remuneração – sugerindo assim que deve ser muito menos suportado que aqueles que nada fazem vivam do que pertence a outros. Quando diz que sabem como devem imitar, ele não quer dizer apenas que o seu exemplo deveria ser considerado por eles como uma lei, mas o sentido é de que sabiam o que haviam visto nele que era digno de imitação, mais ainda, que a própria coisa de que está falando no momento fora apresentada diante deles para imitação.

João Calvino
Enviado por Silvio Dutra Alves em 08/09/2014
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