Comentário de 2 Tessalonicenses 3.11

Por João Calvino

“Porquanto ouvimos que alguns entre vós andam desordenadamente, não trabalhando, antes fazendo coisas vãs.” (2 Tessalonicenses 3.11)

“Ouvimos que alguns entre vós”. É provável que esta espécie de vadios fossem, por assim dizer, a semente do ocioso monacato. Pois, desde o começo, havia alguns que, a pretexto de religião, ou exploravam as mesas dos outros, ou sugavam astuciosamente para si a subsistência dos simples. Eles também haviam chegado, no tempo de Agostinho, a prevalecer tanto, que ele fora constrangido a escrever um livro expressamente contra os monges ociosos, onde se queixa com toda a razão do seu orgulho, porque, desprezando a admoestação do Apóstolo, eles não apenas se escusavam por motivo de fraqueza, mas queriam parecer mais santos do que todos os outros pelo fato de estarem isentos de trabalhos. Ele censura, com toda a razão, esta indecência, de que, enquanto os senadores são laboriosos, o operário, ou pessoa de vida humilde, não vive apenas em ociosidade, mas ficaria contente em que sua indolência se passasse por santidade. Tais são suas ideias. Ao mesmo tempo, porém, o mal tem crescido a tal ponto que os ventres ociosos ocupam praticamente a décima parte do mundo, tendo por única religião estar bem cheios, e isentos de todo o incômodo do trabalho. E este modo de vida eles dignificam, às vezes com o nome de Ordem, outras com o de Regra, deste ou daquele personagem.

Mas, por outro lado, o que o Espírito diz pela boca de Paulo? Ele os declara a todos como sendo irregulares e desordeiros, seja por que nome distintivo possam ser dignificados. Não é necessário relatar aqui o quanto a vida ociosa dos monges tem invariavelmente desagrado às pessoas de um juízo mais são. É um dito memorável de um monge antigo, que é registrado por Sócrates no Livro Oitavo da História Tríplice – de que aquele que não trabalha com suas mãos é semelhante a um saqueador. Não cito outros casos, nem é necessário. Que nos baste esta declaração do Apóstolo, em que ele afirma que eles são dissolutos, e de certo modo ilegais.

“Não trabalhando”. Nos particípios gregos há um elegante (prosonomasia) jogo de palavras, que tentei imitar de algum modo, traduzindo-o no sentido de que eles nada fazem, mas têm bastante que fazer no sentido da curiosidade. Contudo, ele censura uma falta de que as pessoas ociosas são, na sua maioria, culpáveis, que, alvoroçando-se inoportunamente, elas causam aborrecimentos a si mesmas e a outros. Pois sabemos que aqueles que nada têm a fazer ficam muito mais fatigados não fazendo nada, do que se estivessem ocupados em alguma obra muito importante; eles correm de lá para cá; por onde vão têm a aparência de grande fadiga; reúnem todos os tipos de informações, e as põem em circulação de maneira confusa. Poderíeis dizer que eles trazem o peso de um reino em seus ombros. Poderia haver exemplo mais notável disto do que nos monges? Pois que classe de homens tem menos repouso? Onde a curiosidade reina mais extensamente? Ora, como esta doença possui um efeito destrutivo para o povo, Paulo admoesta que isto não deveria ser encorajado pela ociosidade.

(Nota do Pr Silvio Dutra: Convém ter sempre em mente que Calvino estava se referindo mormente às condições prevalecentes na religião em seus dias.)

João Calvino
Enviado por Silvio Dutra Alves em 08/09/2014
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