Comentário de João 1.9

Por João Calvino

“a saber, a verdadeira luz, que, vinda ao mundo, ilumina a todo homem.” (João 1.9)

“Pois a verdadeira luz”. O evangelista não tinha a intenção de contrastar a luz verdadeira com a falsa, mas distinguir Cristo de todas as demais, para que ninguém pudesse imaginar que o que é chamado de luz pertence a ele em comum com os anjos ou homens. A distinção é, que tudo o que é luminoso no céu e na terra toma emprestado o seu esplendor a partir de algum outro objeto; mas Cristo é a luz, brilhando em si e por si mesmo, e iluminando todo o mundo por seu brilho; de modo que nenhuma outra fonte ou causa de esplendor é para ser achada em qualquer lugar. Ele deu o nome de verdadeira luz, por conseguinte, Àquele que tem por natureza o poder de dar luz.

“Que ilumina a todo homem”. O evangelista insiste principalmente sobre este ponto, a fim de mostrar, a partir do efeito que cada um de nós percebe nele, que Cristo é a luz. Ele poderia ter fundamentado mais engenhosamente, que Cristo, como a luz eterna, tem um esplendor que é natural e não o trouxe de qualquer outra parte; mas em vez de fazer assim, ele nos remete à experiência que todos nós possuímos. Porque, assim como Cristo faz de nós todos participantes do seu brilho, deve ser reconhecido que somente a ele pertence estritamente esta honra de ser chamado de luz.

Esta passagem é geralmente explicada de duas maneiras. Alguns restringem a frase, a cada homem, àqueles que, tendo sido renovados pelo Espírito de Deus, se tornam participantes da luz que dá vida. Agostinho emprega a comparação de um mestre que, se acontecer de você ser a única pessoa que tem uma escola na cidade, será chamado de o mestre de todos, embora haja muitas pessoas que não vão à sua escola. Eles, portanto, entendem a frase em sentido comparativo, que todos são iluminados por Cristo, porque nenhum homem pode se orgulhar de ter obtido a luz da vida em qualquer outra forma que não seja pela sua graça. Mas desde que o evangelista emprega a frase geral, “todo homem que vem a este mundo”, eu estou mais inclinado a adotar outro significado, que é, que a partir desta luz os raios são difundidos sobre toda a humanidade, como já tenho dito. Porque sabemos que os homens têm esta excelência peculiar que lhes eleva acima de outros animais, porque são dotados de razão e inteligência, e carregam a distinção entre o certo e o errado gravada na sua consciência. Não há nenhum homem, portanto, a quem alguma percepção da luz eterna não chegue.

Mas como há fanáticos que imprudentemente forçam e torcem esta passagem, de modo a inferir a partir dela que a graça de iluminação é igualmente oferecida a todos, lembremo-nos de que o único assunto tratado aqui é a luz comum da natureza, que é muito inferior à fé; porque nunca será qualquer homem, por toda a agudeza e sagacidade de sua própria mente, que entrará no reino de Deus. É o Espírito de Deus somente quem abre a porta dos céus para os eleitos. Então, vamos lembrar que a luz da razão que Deus implantou nos homens tem sido tão obscurecida pelo pecado, que no meio da grande escuridão e da ignorância, e do golfo de erros, há apenas algumas faíscas brilhantes que não são totalmente extintas.

Traduzido e adaptado por Silvio Dutra.

João Calvino
Enviado por Silvio Dutra Alves em 06/09/2014
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