Comentário de 1 Tessalonicenses 1.2,3
Por João Calvino
“1Ts 1:2 Damos, sempre, graças a Deus por todos vós, mencionando-vos em nossas orações e, sem cessar,
1Ts 1:3 recordando-nos, diante do nosso Deus e Pai, da operosidade da vossa fé, da abnegação do vosso amor e da firmeza da vossa esperança em nosso Senhor Jesus Cristo,”
2. “Damos graças a Deus”. Paulo louva, como é o seu costume, a fé e outras virtudes deles, não tanto, porém, com o objetivo de elogiá-los, quanto para exortá-los à perseverança. Pois não é pequeno encorajamento ao zelo, quando refletimos que Deus nos tem adornado com notáveis dons, para que ele possa terminar o que começou; e que, sob sua orientação e direção, temos seguido no caminho reto, para que possamos alcançar o alvo. Pois, assim como a vã confiança nas virtudes que os homens insensatamente arrogam para si os incha de orgulho, e os torna negligentes e indolentes quanto ao tempo vindouro, assim também o reconhecimento dos dons de Deus humilha as mentes piedosas, e as encoraja a uma preocupação anelante. Por isso, ao invés de congratulações, ele faz uso de ações de graças, para lembrá-los de que tudo o que há neles que ele declara ser digno de louvor é um benefício de Deus. Ele também se volta imediatamente para o futuro, ao fazer menção das suas orações. Assim vemos com que propósito ele recomenda a vida anterior deles.
3. “Lembrando-nos sem cessar”. Embora o advérbio sem cessar possa ser tomado em conexão com o que vem antes, convém melhor relacioná-lo deste modo. O que se segue também poderia ser traduzido assim: Lembrando-nos da vossa obra de fé e trabalho de amor, etc. Também não representa qualquer objeção a isto o fato de que há um artigo interposto entre o pronome ὑµῶν (vossa). e o substantivo ἔργου (operosidade), pois este modo de expressão é usado frequentemente por Paulo. Digo isto para que ninguém acuse o tradutor antigo de ignorância por traduzi-lo deste modo. Porém, como pouco importa para o objetivo principal o que escolherdes, retive a tradução de Erasmo. Contudo, ele aponta uma razão pela qual nutre tão forte afeto para com eles, e ora diligentemente em seu favor – porque ele percebia neles os dons de Deus que o encorajavam a nutrir para com eles amor e respeito. E, certamente, quanto mais alguém se sobressai em piedade e outras excelências, tanto mais devemos tê-lo em estima e consideração. Pois, o que é mais digno de amor do que Deus? Por isso, não existe nada que deva incitar mais o nosso amor pelas pessoas do que quando o Senhor se manifesta nelas pelos dons do seu Espírito. Esta é a mais elevada recomendação de todas entre os que são piedosos – este, o mais sacro vínculo de conexão, pelo qual eles mais especialmente se unem uns aos outros. Eu digo, portanto, que é de pouca importância se for traduzido por lembrando-nos de vossa fé, ou lembrando-nos de vós por causa de vossa fé.
Obra da fé entendo como significando o seu efeito. Este efeito, porém, pode ser explicado de duas maneiras – passiva ou ativamente, quer como significando que a fé era em si mesma um sinal notável do poder e eficácia do Espírito Santo, porquanto ele operara poderosamente em seu despertamento; quer como significando que, posteriormente, ela produzirá seus frutos exteriores. Reconheço que o efeito está mais na raiz da fé do que em seus frutos – “uma energia rara da fé difundiu-se poderosamente em vós”.
Ele acrescenta operosidade (trabalho) do amor, querendo dizer através disso que, no cultivo do amor, eles não haviam medido dificuldades ou esforços. E, seguramente, sabe-se pela experiência como o amor é diligente. Porém, aquela época concedera mais especialmente aos crentes uma múltipla esfera de trabalhos, se estivessem desejosos de cumprir os ofícios do amor. A igreja era incrivelmente pressionada por uma grande multidão de aflições; muitos eram despojados de seus bens, muitos eram fugitivos do seu país, muitos eram destituídos de conselho, muitos eram tenros e fracos. A condição de quase todos estava envolvida. Tantos casos de angústia não permitiram que o amor ficasse inativo.
À esperança ele atribui a paciência, uma vez que sempre estão unidas, pois o que esperamos, com paciência esperamos (Rom 8.24), e a declaração deve ser explicada no sentido de que Paulo recorda a paciência deles em aguardar a vinda de Cristo. A partir daqui podemos inferir uma breve definição do verdadeiro Cristianismo – que é uma fé viva e cheia de vigor, não poupando nenhum esforço, quando se deve prestar assistência ao próximo; mas, pelo contrário, todos os que são piedosos se empregam diligentemente nos ofícios do amor, e envidam seus esforços neles, de modo que, atentos à esperança da manifestação de Cristo, desprezam tudo o mais e, armados pela paciência, eles se levantam superiores ao cansaço pela extensão do tempo, bem como a todas as tentações do mundo.
A cláusula diante de nosso Deus e Pai pode ser considerada em referência à recordação de Paulo, ou às três coisas citadas há pouco. Eu a explico assim: Como havia falado das suas orações, ele declara que todas as vezes que eleva seus pensamentos ao reino de Deus, ao mesmo tempo, traz à sua memória a fé, esperança e paciência dos tessalonicenses; mas, como toda mera presença desaparece quando as pessoas vêm à presença de Deus, isto é acrescentado para que a afirmação tenha mais peso. Ademais, por esta declaração da sua boa vontade para com eles, ele pretendia torná-los mais ensináveis e preparados para ouvirem.
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