Comentário de Levítico 26.40-42

 
Por João Calvino
 
Lev 26:40 Mas, se confessarem a sua iniquidade e a iniquidade de seus pais, na infidelidade que cometeram contra mim, como também confessarem que andaram contrariamente para comigo,
Lev 26:41 pelo que também fui contrário a eles e os fiz entrar na terra dos seus inimigos; se o seu coração incircunciso se humilhar, e tomarem eles por bem o castigo da sua iniquidade,
Lev 26:42 então, me lembrarei da minha aliança com Jacó, e também da minha aliança com Isaque, e também da minha aliança com Abraão, e da terra me lembrarei.
 
“Mas, se confessarem a sua iniquidade”. Embora Moisés estivesse discorrendo sobre punições muito severas e cruéis, ainda que ele declara que, mesmo em meio a esta terrível severidade Deus seria aplacado se o povo se arrependesse, apesar de que eles poderiam ter se despojado de toda a esperança de perdão por seus longos e contínuos pecados. Porque ele não aborda os pecadores em geral, senão aqueles que pela sua obstinação e impetuosidade brutal vêm cada vez mais perto para a vingança de Deus; e mesmo estes são incentivados por ele a uma boa esperança, se eles se converterem de  coração. Tenhamos então certeza, que a misericórdia de Deus é oferecida para o pior dos homens, que esteve mergulhado por sua culpa nas profundezas do desespero, como se tivesse chegado até o próprio inferno. Daí, também, segue-se que todas as punições são como esporões para despertar o inerte e hesitante em arrependimento, enquanto as dolorosas pragas são destinadas a quebrar seus corações endurecidos. No entanto, ao mesmo tempo, deve-se observar que este favor é concedido por privilégio especial para a Igreja de Deus; porque Moisés atribui logo depois expressamente a sua causa, isto é, que Deus se lembrará do pacto. Daí é evidente que Deus, por consideração à sua adoção gratuita, será gracioso para com o indigno a quem Ele tem elegido; de onde também se conclui que isto vem a ocorrer, que, desde que não feche a porta da esperança contra nós mesmos, Deus ainda virá voluntariamente e se adiantará para  nos reconciliar com Ele, se tão somente lançarmos mão do pacto do qual caímos por nossa própria culpa, como os marinheiros de um navio naufragado usam um barco salva vidas para levá-los em segurança ao porto. Mas será bom para nós examinarmos sinceramente os frutos do arrependimento que Moisés aqui enumera. Em primeiro lugar está a confissão, não como é exigida sob o papado, que os homens ímpios ​​devem se aliviar ao ouvido de um sacerdote (sacrifício), como se secretamente despejassem seus pecados, pelos quais se reconhecem culpados diante de Deus. Esta confissão contrasta tanto com as queixas ruidosas, quanto com  os subterfúgios e evasivas dos ímpios. Um exemplo memorável disto  ocorre no caso de Davi, que, quando esmagado pela repreensão do profeta Natã, confessa que tinha pecado contra Deus (2 Samuel 12.13). Pela palavra "iniquidade de seus pais" Ele amplia a grandeza de seus pecados, porque por um longo espaço de tempo eles não tinham deixado de acrescentar pecado a pecado, como se os pais tivessem conspirado com os seus filhos, e os filhos com seus próprios descendentes; e, uma vez que Deus é um vingador até a terceira e quarta geração, não é sem razão que à posteridade é comandado orar humildemente para que Deus perdoe a culpa contraída há muito tempo. Por isso, também é claramente visto quão pouco a imitação de seus pais servirá para atenuar as faltas dos filhos, uma vez que percebemos que os torna menos desculpáveis, longe está Deus de admitir este fundamento tolo. É ainda acrescentado que sua confissão deveria corresponder à grandeza de suas transgressões, e que não deveria ser banal e superficial; pois, embora os hipócritas, quando convencidos, não negam que eles têm pecado, ainda que confessem para atenuar a sua culpa, como se fossem apenas culpados de ofensas veniais. Deus, portanto, teria as circunstâncias de seus pecados levadas em consideração, e isso também Ele prescreve em relação à sua obstinação, para que não imaginem que as punições não foram merecidamente redobradas, pois eles haviam caminhado contrariamente com Deus.
Finalmente, a fim de provar a realidade de sua conversão, toda dissimulação é excluída pela humilhação de seus corações; pois isto é como se Deus fosse rejeitar suas orações, até que em humildade sincera e sentida no coração procurassem o perdão. Esta humilhação é contrastada com segurança, bem como com contumácia e orgulho; e também é comparada com a circuncisão, onde o coração é chamado circuncidado antes de ser subjugado e reduzido à obediência. Pois, enquanto a circuncisão era uma marca de distinção entre o povo de Deus e as nações pagãs, é necessário que tenha sido também um sinal de regeneração. Mas como os judeus negligenciaram a verdade, e tola  e impropriamente glorificavam apenas o símbolo exterior, Moisés, reprovando a incircuncisão de seus corações, refuta que estivessem vazios de orgulho. Assim, como Paulo testifica, a menos que a lei seja cumprida, a circuncisão literal é inútil, e é feita em incircuncisão (Romanos 2.25). Então Moisés acusa os israelitas de infidelidade, porque eles professam ser o povo santo de Deus, ao mesmo tempo que amam a imundícia e a impureza no seu coração. Os profetas também muitas vezes os acusa de serem incircuncisos de coração ou de ouvidos; e nisto Estevão os seguiu (Jeremias 6.10; Ezequiel 44.7; Atos 7.51).
Outros extraem um significado muito diferente das palavras que traduzimos, "deixá-los expiar (propitient) a sua iniquidade." – “tomarem eles por bem o castigo da sua iniquidade”. O substantivo usado é עון, gnevon, o que significa tanto iniquidade e punição; e o verbo רצה, ratzah, que é expiar, ou estimar de modo grato, ou  apaziguar. Alguns, portanto, explicam isto como sendo, levarão o seu castigo pacientemente, e o tomarão por agradável; mas parece-me que Moisés se conecta com o arrependimento do desejo de satisfazer a Deus, sem o qual os homens nunca estão realmente insatisfeitos consigo mesmos, ou renunciar a seus pecados; e sua alusão é aos sacrifícios e abluções legais, pelos quais se reconciliavam com Deus. A suma é que, quando eles se esforçarem seriamente para voltar ao favor de Deus, Ele será propício em relação a eles por causa de sua aliança.
 
Traduzido e adaptado por Silvio Dutra.
 
(Nota do Pr Silvio Dutra: Ao estarmos chegando à conclusão do comentário de Calvino sobre o texto de Levítico 26.14-46, consideramos oportuno reafirmar o que ele diz acerca do favor que recebemos da parte de Deus, exclusivamente por causa da aliança que fez conosco através da morte e ressurreição de Jesus Cristo, o qual se ofereceu em nosso lugar para que pudéssemos ser reconciliados com Deus e adotados como seus filhos. Isto porque é evidente que somos pecadores por natureza, e nos acharíamos numa situação miserável e sem qualquer esperança, caso Deus não fizesse uma aliança conosco baseada na sua graça e misericórdia, pelas quais nossos pecados e transgressões são perdoados e esquecidos, ou seja, não são levados em conta para condenação, caso nos encontremos em Cristo.
Todavia, cabe ressaltar que temos aprendido pela santa e perfeita Lei de Deus quanto ao modo como Ele vê e abomina qualquer pecado, de forma que somos agradáveis a Ele somente quando confessamos sinceramente as nossas faltas e procuramos andar de modo digno na Sua presença por buscarmos a aplicação de Sua vontade e Palavra em nossas vidas pela operação do Espírito Santo em nossas mentes e corações.
Assim, a aliança da graça manifestará os seus benefícios de paz, reconciliação e comunhão com Deus, a todos aqueles que buscarem andar de modo santo e ordenado na presença do Senhor, e caso contrário, seremos corrigidos por Ele, não mais com base nos castigos de destruição previstos na Lei de Moisés, conforme vemos nas maldições de Levítico 26.14-39, porque estamos nesta nova dispensação inaugurada há cerca de 2.000 anos atrás, debaixo da graça de Cristo, mas certamente, seremos corrigidos com a severidade que for necessária para nos curar da prática do mal.)     

 
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João Calvino
Enviado por Silvio Dutra Alves em 23/08/2014
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