“Acaso, não sabeis?” (Is 40.21)
Por João Calvino
“Acaso, não sabeis? Porventura, não ouvis? Não vos tem sido anunciado desde o princípio? Ou não atentastes para os fundamentos da terra?” (Isaías 40.21)
“Acaso, não sabeis?”. Depois de ter ridicularizado a insensatez e a loucura dos gentios, o Profeta volta-se para os judeus; pois somos todos propensos à superstição, e, portanto, facilmente caímos nisto quando qualquer exemplo é colocado diante de nossos olhos. Em consequência da mistura com os babilônios durante seu cativeiro, os judeus seriam obrigados a contemplar diariamente os exemplos mais básicos de idolatria, e poderiam ser levados à imitação ímpia. Portanto Isaías antecipa isto em um breve período, e lhes adverte para não se deixarem levar pela visão de tais coisas.
Ele pergunta: "Será que eles não foram ensinados, e que eles não aprenderam quem é Deus?" A maior parte dos comentaristas pensam que todas as questões aqui colocadas são a repetição da mesma verdade, ou seja, que a criação do mundo revela claramente que nada pode ser mais inconsistente do que buscar a Deus em madeira e pedra, prata e ouro. Mas pode-se inferir a partir do contexto que há duas cláusulas. Tivesse ele procedido em sua objeção com os gentios, ele teria apresentado nenhuma outra testemunha senão o céu e a terra. Mas porque ele se dirige aos judeus que tinham sido claramente ensinados pela lei, ele traz argumentos diretos para refutá-los, extraídos tanto da ordem da natureza quanto da voz de Deus. E, em primeiro lugar, ele coloca a questão em termos gerais, "Não sabeis vós?". Em seguida, ele acrescenta dois métodos pelos quais deveriam ter distinguido entre o Deus verdadeiro e os falsos deuses. O primeiro é tirado da audição da Palavra, e, portanto, ele diz expressamente: "Porventura não foi dito? Não tendes ouvido?".
O último método é emprestado daquela magnífica revelação em que a glória de Deus brilha acima e abaixo. Se o discurso tinha sido dirigido a estrangeiros e pagãos, ele teria ficado satisfeito com esta segunda demonstração, como podemos ver que Paulo também ficara; porque, tendo que tratar com os habitantes de Listra, que não tinham conhecimento da doutrina celeste que lhes foi transmitida, ele nada emprega, senão argumentos naturais, que "Deus, dando chuva e sol, não deixou a si mesmo sem testemunho (ἀμάρτυρον)" - Atos 14.17. Mas quando o Profeta falou aos judeus sobre a verdadeira piedade, teria sido impróprio para ele passar por alto a lei, o que lhes faria duplamente imperdoáveis se, por negligenciá-la, eles profanassem a si mesmos com os incrédulos; pois haviam sido convencidos não só pela visão de seus olhos, mas também pela audição de seus ouvidos, que Deus bateu incessantemente pela pregação de Sua lei. Assim, portanto, desde que do ventre de suas mães tinham sugado juntamente com o leite o verdadeiro conhecimento de Deus, e tinham sido ensinados por seus pais através de uma longa sucessão de gerações, o Profeta argumenta que eles serão extremamente ingratos e maus, se tal assistência não produzisse qualquer bom efeito sobre eles.
“Não vos tem sido anunciado desde o princípio?”. A frase, desde o início, ou "há muito tempo", transmite a ideia de que não somente tinham sido educados desde a infância na pura adoração a Deus, mas, durante uma sucessão de gerações havia sido largamente experimentados por aquela nação uma doutrina que não lhes permitiria se extraviarem, desde que estivessem atentos; como se ele tivesse dito: "Vocês não têm qualquer novo Deus, mas o mesmo Deus que se revelou desde o início a Abraão, Moisés, e o resto dos patriarcas." E de fato não configura qualquer pequena confirmação, que a doutrina que tem sido continuada entre os crentes durante tantos séculos deva ter sido antiga. Não que a antiguidade seja suficiente para estabelecer a certeza da fé, (pois, ao contrário, os gentios facilmente teriam objetado que suas superstições não eram menos antigas), mas "desde o princípio" a autoridade da lei tinha sido abundantemente ratificada, e Deus tinha testemunhado que ela veio dele, e a longa experiência adicionada não era nenhuma pequena confirmação, quando eles sabiam que os seus antepassados tinham entregue para a posteridade uma forma de religião que não podia ser jogada fora sem que eles recebessem o selo da apostasia. Tal início, portanto, e tal progresso removem rapidamente todas as dúvidas. É uma só e mesma fé que tem sido abraçada por nós e por nossos pais, porque eles e nós temos reconhecido o mesmo Deus, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. A mesma palavra, as mesmas promessas, e o mesmo fim, têm sido exibidos a todos os crentes.
“Ou não atentastes para os fundamentos da terra?”. Esta é uma linguagem figurativa, em que uma parte é tomada pelo todo; porque uma parte do mundo é colocada; para todo o mundo. Deus tem mostrado este mundo como um espelho para os homens, para que, contemplando-o possam reconhecer a sua majestade, de modo que é uma imagem animada de coisas invisíveis, como Paulo explica em grande extensão no primeiro capítulo da Epístola aos Romanos. Sua ignorância é, portanto, "sem desculpas", pois eles não podem alegar que eles não conhecem a Deus que se revelou de tantas maneiras (Romanos 1.20). E na verdade os homens pecam mais pela insolência e orgulho do que por ignorância; porque desprezam a Deus que se manifesta abertamente e fala abertamente, e sua atenção está ocupada com as criaturas, e com as coisas mais insignificantes. Tem tal desprezo qualquer título para ser desculpado? Será que eles não merecem ser cegados, e adorar suas próprias invenções, em vez de Deus, o que vemos estar acontecendo com quase todos? Essa punição é, sem dúvida, justa e devida a tão grande orgulho. E se a esse conhecimento que obtemos através das criaturas há de ser também adicionada a doutrina da palavra, nós somos muito menos desculpáveis. Isaías, portanto, juntou os dois tipos de conhecimento, a fim de mostrar que os judeus deveriam ser duplamente condenados, se não colocassem a sua confiança em Deus, depois de terem recebido instruções acerca de seu poder e bondade.
Traduzido e adaptado por Silvio Dutra.
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