Sobre a Vida Cristã – Parte 17
Por João Calvino
CAPÍTULO III
Carregar a cruz – um ramo da autonegação.
7. Há consolo singular, por outro lado, quando somos perseguidos por causa da justiça. Porque o nosso pensamento deveria ser então: quão elevada a honra que Deus nos concede ao distinguir-nos pelo emblema especial de seus soldados. Por sofrer perseguição por causa da justiça, não me refiro apenas ao ato de se esforçar para a defesa do Evangelho, mas para a defesa da justiça em qualquer forma. Se, portanto, para manter a verdade de Deus contra as mentiras de Satanás, ou defender o bom e inocente contra as lesões do mal, somos obrigados a incorrer no crime e ódio do mundo, de modo a pôr em perigo a nossa vida, fortuna, ou honra, não vamos lamentar ou declinar por termos nos passado para o lado de Deus; não pensemos de nós mesmos sermos miseráveis naquelas coisas em que ele com seus próprios lábios tem pronunciado que somos bem-aventurados (Mat 5.10). A pobreza, na verdade, considerada em si mesma, é miséria; assim também o exílio, o desprezo, a prisão, a ignomínia; e por fim a própria morte é a última de todas as calamidades. Mas quando a graça de Deus sopra sobre nós não há nenhuma dessas coisas que possam nos remover da nossa felicidade. Vamos, então, nos contentar com o testemunho de Cristo mais do que com a falsa estima da carne, e, então, a exemplo dos Apóstolos, nos alegraremos em ser "considerados dignos de sofrer afronta pelo nome dele" (Atos 5. 41). Por quê? Se, enquanto conscientes de nossa inocência, somos privados de nossa subsistência por causa da maldade do homem, estamos, sem dúvida, humanamente falando, reduzidos à pobreza; mas na verdade nossas riquezas no céu são aumentadas: se expulsos de nossas casas, temos uma maior recepção de boas-vindas na família de Deus; se vexados e desprezados, ficamos mais firmemente enraizados em Cristo; se estigmatizados pela desgraça e ignomínia, temos um lugar maior no reino de Deus; e se somos mortos, nos é dada assim a entrada à vida eterna. O Senhor tem estabelecido tal preço sobre nós, então nos envergonhemos de estimarmos a nós mesmos menos do que os atrativos obscuros e evanescentes da vida presente.
Traduzido e adaptado por Silvio Dutra.
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