A COMÉDIA HUMANA
A COMEDIA HUMANA
Eugène Sue
A vida do espírito encarnado é como um romance, ou antes, como uma peça de teatro, da qual cada dia se percorre uma folha contendo uma cena. O autor é o homem; os personagens são as paixões, os vícios, as virtudes, a matéria e a inteligência, disputando a posse do herói, que é o Espírito. O publico é o mundo em geral durante a encarnação, os espíritos na erraticidade, e o censor que examina a peça para a julgar em ultima instancia e proferir numa censura ou um louvor ao autor é Deus.
Fazei de modo que sejais aplaudido o maior numero de vezes possível e que só raramente cheguem aos vosso ouvidos o barulho desagradável dos assovios. Que a intriga seja sempre simples e não busque interesse senão nas situações naturais que possam servir para fazer triunfar a virtude, desenvolver a inteligência e moralizar o publico.
Durante a execução da peça, a cabala posta em movimento pela inveja, pode criticar as melhores passagens e só incensar as que são medíocres ou más. Fechai os ouvidos a essas adulações, e lembrai-vos que a posteridade vos apreciara no vosso justo valor! Deixareis um nome obscuro ou ilustre, manchado de vergonha ou coberto de glorias, conforme o mundo. Mas quando a peça estiver terminada e acortina caída sobre a ultima cena, vos puser em presença do regente universal, do diretor infinitamente poderoso do teatro onde se passa a comedia humana, nem haverá aduladores, nem cortesãos, nem invejosos, nem ciumentos: estareis sós com o juiz supremo, imparcial e justo.
Que a vossa obra seja séria e moralizadora, porque é a única que tem algum peso na balança do Todo-Poderoso.
É preciso que cada um dê à sociedade ao menos o que dela recebe. Aquele que, tendo recebido a assistência corporal e espiritual, que lhe permite viver, se vai sem ao menos restituir o que gastou, é um ladrão, porque malbaratou uma parte do capital inteligente e nada produziu.
Nem todo mundo pode ser homem de gênio, mas todos podem e devem ser honestos, bons cidadãos e devolver à sociedade aquilo que a sociedade lhe emprestou.
Para que o mundo esteja em progresso, é preciso que cada um deixe uma lembrança útil de sua personalidade, uma cena a mais nesse numero infinito de cenas úteis que os membros da humanidade deixaram desde a vossa terra serve de lugar de habitação aos espíritos.
Fazei, pois, que leiam com interesse cada pagina do vosso romance, e que não o percorram apenas com o olhar, para o fechar com tédio, antes de o ter lido pela metade.
( Revista Espírita Março de 1867) Tradução de Julio Abreu Filho