Passagem

Hoje eu entendi uma coisa que desde muito tempo atrás eu não consiga sequer saber que existia. Depois de muito buscar, buscar por coisas das mais variadas, desde buscas impossíveis até buscas inexistentes, eu encontrei algo que não sabia que existia.

Quando o homem começa sua vida, ele passa por um processo de aceitação. Aceitar que não estamos mais protegidos pelo ventre materno, ou pelo calor dos braços internos de nossas mães. Depois de aceitar que isso passou, devemos começar a aceitar outras tantas coisas.

Em algum momento, teremos de aceitar que tudo passa. A infância passou para mim. Meus velhos heróis, que, em outros tempos, salvavam o mundo e, ainda, tinham tempo para salvar-me, hoje, já morreram, pois as mãos que os desenhavam, já estão velhas e cansadas.

Talvez eu ainda pense nisso, mas acho que não. Mesmo assim, aceito que minha infância passou. Passou, também, a adolescência. Deixei de ser aquele garoto revolucionário e diferente, que queria se vestir de modo distinto e encontrar um novo mundo. Um mundo desenhado pelas páginas de um livro. Tudo isso passou.

Junto com tudo isso, passou a vontade de lutar. Quero dizer, todos sabem que tudo vai continuar assim, por que lutar, então? A verdade é que deixei de sonhar. Deixei de viver a única realidade que existe: a realidade do sonho. Deixar de sonhar, talvez tenha sido a coisa mais difícil que passou.

Passou, para mim, também, o tempo das perguntas. Hoje não tenho muito que perguntar. Algumas coisas são o quê são e pronto. Certas vezes não posso dizer que algo mudou, já que as coisas continuam sendo o quê sempre foram. Tudo dura o tempo que tem de durar: será mesmo? Como disse não me cabem mais perguntas, pois o tempo delas já passou. Hoje é o tempo das respostas. Das coisas que já foram respondidas.

A verdade é que o tempo passou também. Tudo passa no final das contas. Grandes amores, antigas paixões. Só podemos dizer que são grandes porque passaram. Caso contrário, seriam apenas amores e paixões. A imensidão das coisas só aparece quando elas passam.

Engraçado pensar assim quando falamos das dores. O quê mede o tamanho da dor? Quando perdemos um filho ou um irmão ou um pai, o quê é isso? Uma pequena ou uma grande dor? Talvez ela seja grande. Realmente, é. Perdemos algo que veio de nós ou do qual viemos ou que fez parte daquilo de onde viemos. Só que depois de algum tempo, vemos que a dor diminui. O tempo mede, também, o tamanho da dor: quanto mais tempo passa, menor ela fica.

Então, assim vai seguindo. A infância, a adolescência, tudo passa. Todos os grandes momentos da jornada passam. Tudo vai passando. Eu passo. O tempo passa. Nós passamos. Vocês e eles passam. Quem passa, simplesmente passa. Muitas vezes podemos passar de algo para outra coisa. Muitas vezes simplesmente passamos. Outras vezes o quê passa, realmente, a passagem.

Passar. Passar. Passar. Passar. É um eterno eco que passa de um lado ao outro de minha cabeça ensanguentada, porém erguida. Assim termina a passagem. Ela simplesmente passou... Nada mais. Não existe nenhuma passagem igual à outra. Todas as passagens são diferentes. Algumas demoram mais, outras menos. Só que ao final, todas as passagens são passadas.

Le Vay
Enviado por Le Vay em 02/11/2011
Código do texto: T3312139
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