FATOS DA VIDA

Muitas vezes acontecem fatos na vida das pessoas que para outras podem parecer insignificantes, mas para as pessoas com quem aquele fato se passou tem um significado muito grande.

Principalmente se tal fato ou acontecimento ocorreu há muitos anos atrás e nos liga a alguém muito querido.

Alguns são acontecimentos que, com o tempo, a nossa memória trata de apagá-los, no entanto, outros marcam de tal maneira a nossa vida que permanecem conosco em todos os momentos e os trazemos vivos dentro do coração, dentro de nós e que nos fazem um bem muito grande, como se fosse um presente que damos a nós mesmos a cada dia, a cada momento, com uma saudade imensa e que nunca nos deixa. Mas é uma saudade gostosa porque aquele momento foi muito gratificante.

Um desses acontecimentos insignificantes deu-se comigo mais ou menos há uma cinquenta anos atrás. Não me lembro exatamente, pois faz tanto tempo que a memória por vezes me trai quanto à passagem dos anos.

Recordo-me, como se fosse hoje que tivesse acontecido.

Trabalhava eu numa agência de determinado banco em Salvador, onde morava com meus pais e, devido a grande carga de trabalho, todos os dias chegava em casa sempre por volta das 21:00/21:30hs e, desnecessário dizer, que chegava exausto. Era o tempo de jantar alguma coisa e deitar para dormir.

Certo dia, por volta das 17:30hs, fui conversar com o gerente da agência e disse-lhe que naquele dia iria sair dentro do meu horário normal de trabalho, que era às 18:00hs.

Ele, naturalmente, perguntou por que essa decisão minha, assim tão repentina, já que, como já era hábito, depois do expediente tínhamos muita coisa ainda por fazer.

Disse-lhe simplesmente que estava estafado, estressado, mas que ela estava tomada e, desse no que desse, eu iria embora às 18:00hs.

Efetivamente, quando os demais funcionários começaram a bater o ponto para ir embora, às 18:00hs, eu imediatamente passei a chave na minha gaveta e também saí para pegar o transporte, diante da surpresa de todos.

Da agência até minha residência dava aproximadamente uma hora e meia de ônibus e, durante todo o percurso, fui acompanhado por uma lua cheia como somente na Bahia acontece. Recordo-me perfeitamente que era no mês de fevereiro.

Quando cheguei perto de casa percebi que meu pai estava escutando música. Quando papai escutava música a rua toda escutava junto com ele e por várias ocasiões tive oportunidade de presenciar pessoas, principalmente as mais velhas, sentadas em suas varandas desfrutando daquele momento tão agradável.

Pois bem, fui para casa direto – poderia ter aproveitado e ido a um cinema, ou bater papos com os amigos na esquina – mas não: fui direto para casa.

Meu Deus do céu, como lhe agradeço as decisões que tomei neste dia. A primeira de sair cedo do banco e a segunda de ir direto para casa, pois assim que cheguei dirigi-me à sala de visitas – onde ficava a vitrola – e quando entrei, a lua estava sozinha no imenso céu azul e a sua claridade era tão grande que nem enxergávamos as estrelas no céu. A sua luz entrava pela porta da varanda da minha casa iluminando toda a sala e então eu vi uma demonstração de amor, de carinho, de amizade, de bem querer. Meu pai e minha mãe estavam sentados em suas banquetas na varanda, somente com a luz da lua, de mãos dadas e, minha mãe com um terço na outra mão orando.

Oh! Meu Deus, como me senti feliz das decisões que tomei. Como me senti feliz com a felicidade que os meus olhos estavam vendo. Como me senti feliz por ter chegado de surpresa sem que eles me vissem o que, de certo, iria interromper o seu “namoro”.

A música que tocava, tornou-se para mim, a partir daquele momento, uma das mais lindas que eu já ouvira. Era o Concerto para piano n° 1 de Grieg e hoje, quando quero injetar um pouco de romantismo na vinha atribulada vida, ponho-me a cantarolar exatamente aquele trecho da música que ouvi naquele momento – era o início do 2° movimento.

Sem que eles me vissem, tão embevecidos estavam um com o outro, quedei-me por alguns instantes admirando aquela cena, ouvindo aquela música e, sem coragem de interromper aquele “idílio” e silenciosamente, virei as costas, fui para o meu quarto e chorei.

Chorei por uns quinze a vinte minutos, um choro muito gostoso, um choro de alegria, um choro de amor como nunca havia chorado na minha vida.

Até hoje agradeço a Deus por aquele momento de intensa magia, aquele momento do mais puro amor. Tenho muitas dúvidas se duas pessoas se completaram tanto como meu pai e minha mãe, como minha mãe e meu pai.

Obrigado Deus.