PROVENDO E RECEBENDO
 
Dalva Agne Lynch
 
 
 
Há um famoso ditado em inglês que diz: "Life is unfair" (a vida é injusta). É o que se responde ao filho ou filha que bate o pé, dizendo: "Mas isso não é justo!!", quando os pais lhes dizem "não" para aquele joguinho ou modelito tão desejado que todo mundo tem, ou lhes pedem que limpe seu quarto bem quando o bate-papo no Facebook está tão interessante.
 
Não adianta negar: todos nós levamos essa atitude à vida adulta, e incessantemente levantamos o punho, dizendo entre dentes: "Mas isso não é justo!" Quem se acha inocente, que atire a proverbial primeira pedra. Contudo, para dizer a verdade, não conheço ninguém que escape.
 
Injustiça faz parte da vida, e rebelar-se "contra um fado sempre adverso" também. Já dizia o Bardo. Uns têm mais, outros têm menos. Seja dinheiro, saúde, amor, tempo livre, estamos sempre nos comparando ao vizinho, ao amigo, ao irmão. E, pelo menos naquele momento de angústia existencial, esquecemos que o vizinho, o amigo, o irmão, tem suas próprias carências e necessidades, talvez bem maiores que as nossas. Assim é a vida, e assim são as pessoas - todas elas, inclusive você e eu.
 
Há, contudo, uma percentagem de pessoas que ultrapassam a atitude humana normal, e se deixam tomar completamente pela Síndrome de Medá: me dá saúde; me dá dinheiro, me dá amor.
 
Assim, as pessoas buscam por alguém capaz de lhes prover as necessidades e desejos, mas principalmente segurança. Outras se voltam às religiões, e não porque acreditem em seus preceitos, mas porque buscam um deus que lhes supra aquilo que carecem. E quando seus desejos e necessidades não são supridos, elas colocam a culpa no parceiro ou naquele segmento religioso, ou mesmo na deidade, passando a buscar alhures aquilo que lhes foi negado.
 
A coisa é que ninguém é responsável por você. A menos que você esteja incapacitado/a, por alguma razão, de preencher os requisitos necessários para prover a si mesmo/a, a responsabilidade de buscar a realização de suas necessidades e seus desejos está inteiramente em suas mãos.
 
Agora que não se levantem os maridos que abandonaram mulher e filhos, para usar isso como desculpa para não proverem à família. Afinal, uma mãe com filhos para criar é a primeira e principal categoria dos "incapacitados de prover a si mesmos". Inclusive as religiões judaico-muçulmano-cristãs colocam o Estado como responsável pelas mães que não possuem um homem ou uma família que lhes supram as necessidades, pela simples razão de que, por mais independente e motivada que seja uma mãe, sua responsabilidade para com o cuidado dos filhos a torna incapaz de ser provedora. Ponto final. Algumas heroínas conseguem, mas não são nem a maioria, muito menos a regra.
 
Outras categorias de incapacitados de prover a si mesmos são os idosos, os doentes, as crianças e os adolescentes. Há quem reclame da Lei que provê subsídio aos adolescentes, esquecendo que um jovem deveria estar dedicando seu tempo aos estudos e ao aprimoramento de si mesmo, com, no máximo, um trabalho de meio-turno. Afinal, cabe aos pais bancar os custos da criação dos filhos, até que os mesmos possam se levantar nas próprias pernas. E quando os pais são omissos, ou, por alguma razão, incapazes, o Estado tem a obrigação de arcar com a educação e os custos de vida dos jovens. Sou inteiramente a favor da Bolsa Família que inclui adolescentes. Afinal, fui mãe de cinco, e sei o quanto custa criar um adulto capaz não só de cuidar de si mesmo, mas também de outros.
 
Mas voltemos ao assunto. Com tantas exceções à regra, como saber quando alguém realmente tem a Síndrome de Medá? Afinal, é fácil para uma mãe ou um adolescente cair nessa categoria, já que é natural, e deveria ser humano, que suas necessidades fossem supridas por alguém mais. Contudo, há um ponto além do qual essa atitude deixa de ser normal e passe a ser doentia, mesmo para mães e adolescentes. E este ponto está no momento em que alguém passe a exigir de outrem, ou de algum deus, que faça por ele ou ela aquilo que, mesmo com muitas dificuldades e empecilhos, ele ou ela é inteiramente capaz de fazer.
 
Uma mãe não deveria ser responsável pelo sustento da família, mas ela é inteiramente capaz de suplementar a renda familiar dentro de seus limites. Conheço centenas e centenas de mães que fazem crochê, tricô, bordado, costura, pintura, desenho; outras, como eu fui, são tradutoras, revisoras, professoras ou digitadoras em suas parcas horas livres; outras ainda são secretárias, recepcionistas, balconistas, faxineiras, cozinheiras, babás.
 
Um adolescente não deveria largar os estudos por um emprego, mas ele ou ela pode fazer tudo o que foi acima citado, e ainda mais, já que é jovem e sem filhos. O mesmo vai para os idosos e os doentes, mesmo quando as capacidades estão diminuídas, e a menos que eles, por alguma razão, estejam profundamente incapacitados.
 
E por aí vai. Isso tudo aí acima parece ser o óbvio, mas não é. E a razão pela qual me propuz a escrever a respeito não foi para apontar o dedo a você e dizer: "Levante-se e páre de reclamar", se bem que não faria mal nenhum dizer isto. Mas não - o motivo pelo qual estou escrevendo tudo isto é, primeiramente, para encorajar você a estender sua mão e ajudar aqueles ao seu redor QUE NÃO PODEM AJUDAR A SI MESMOS.
 
A segunda razão que me levou a escrever é para dizer a você, que recebe ajuda, que você não está só, não é inferior a ninguém só porque está sendo ajudado/a, e, acima de tudo, para encorajar você a levantar o rosto àqueles que a/o ajudam, e dar-lhes um sorriso e uma palavra de agradecimento sincero. E nunca, mas nunca mesmo, tome qualquer ajuda como sendo seu direito divino. Agradeça por todas as menores coisas.
 
Afinal, a vida NÃO É justa, mas certas pessoas são - e merecem todo o nosso respeito.
 
 
 Ilustração: giving hands, com animação de DalvaLynch
 
 
 
Dalva Agne Lynch
Enviado por Dalva Agne Lynch em 12/06/2011
Reeditado em 12/06/2011
Código do texto: T3029234
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