Uma nota, antes de você ler ou reler o texto:
 
Recentemente surgiu, mais uma vez, um rumor entre algumas senhoras desavisadas, que cochichavam entre si, pensando estar revelando um segredo vergonhoso: "ela é bipolar!".
 
Bom - o que as pessoas esquecem de mencionar, ao apontar dedos - certamente por total desconhecimento de causa, para não dizer total ignorância - é que a desordem glandular que causa o bipolarismo acontece apenas em pessoas com um alto QI (quociente intelectual), ou seja, pessoas com uma inteligência acima do normal.   Devido a isso, muitos dos venerados músicos, escritores, atores e até mesmo políticos, do passado e de agora, foram - ou são - bipolares. E devo acrescentar que vergonha é roubar, mentir e matar - coisas que não constam na lista de sintomas do bipolar. Favor não confundir bipolar com psicopata.
 
Hoje em dia é moda justificar o abuso de drogas, violência e falta de noção com bipolarismo, já que isso livra a pessoa da prisão, portanto é difícil saber quem, entre rappers, roqueiros, patricinhos e políticos, realmente é bipolar. Comprar um laudo psiquiátrico é mais barato do que ir para a cadeia. Vai daí, restrinjo a lista abaixo a idôneas personalidades famosas das artes e da política:
 
- Beethoven
- Schumann
- Mahler
- Van Gogh
- Ernest Hemmingway
- Edgard Alan Poe
- Grahan Greene
- Florence Nightingale
- Jean Claude Van Damme
- Vivian Leigh
- Liz Taylor
- Maurice Bernard
- Carrie Fisher
- Curt Cobain
- Richard Dreifuss
- Mel Gibson
- Patrick Kennedy
- Theodore Roosevelt
- Winston Churchill
 
É claro que a lista é muito mais longa, mas já deu para dar uma idéia. Agora vamos ao texto:
 


BIPOLAR: A MENTE DIFERENTE
 
 
 
Desde que me conheço por gente – acho que lá pelos três anos de idade -, busquei por uma coisa apenas: coerência entre a vida que transcorria nas horas, e a vida que se me transcorria na mente.
 
Contudo, levei 16 anos para descobrir que minha mente funcionava um pouco diferente da mente do resto das pessoas, e que estaria sempre irremediavelmente fadada à solidão.
 
Assim, aprendi bem cedo que o preço que deveria pagar para viver de acordo com meus próprios parâmetros seria viver contra os padrões do mundo que me cercava, e, devido a isso, ficar na mira dos dedos acusatórios dos santarrões.
 
A razão é que recebi de meu pai, e passei a alguns de meus filhos, uma tresloucada herança: sou bipolar. Isto quer dizer que minha mente não conhece, ou não reconhece, os limites sociais da emoção. Sou socialmente inaceitável.
 
Quando fico zangada, sou um furacão. Quando fico feliz, danço e canto e dou risada sem medida, e sem saber quando parar. Eu sou aquela que continua rindo dez minutos depois que a piada foi dita e todo mundo já está calado.
 
Quando fico triste, caio em um profundo buraco escuro, do qual não me parece haver saída. Não adianta pensar positivo nem imaginar campos floridos com fadinhas flutuando sobre flores – se caio no buraco, não vejo nada a não ser o buraco. Minhas diversas internações são testemunhas de quantas vezes tentei sair atentando contra a vida.
 
Amigo ou amiga, ser bipolar não tem nada a ver com “demonismo”. Entre o pessoal da seita cristã que me sequestrou os filhos, a sacrossanta Igreja Batista, um ou dois círculos espíritas e dois ou três de umbanda, passei por mais exorcismos do que a maioria das pessoas “normais”, e mais do que a esmagadora maioria dos “anormais” que andam por aí estuprando crianças, roubando bancos e matando inocentes. Para dizer a verdade, as únicas instituições religiosas que reconheceram minha condição como sendo um problema de disfunção glandular foram a Igreja Católica e a Comunidade Judaica.
 
Por sinal, isso também não tem nada a ver com alguma mediunidade recalcada, por mais que eu tenha recebido dezenas de convites para desenvolver “meu potencial psíquico”. Também não tem nada a ver com ser “Semente Estelar”. Ah, e não fui visitada por nenhum ET tampouco.
 
O que acontece é que meu cérebro não produz uma substanciazinha indispensável à vida social humana chamada serotonina, que policia, digamos assim, a produção da adrenalina. Quer dizer, a adrenalina faz você subir, a serotonina traz você de volta ao chão. Bom, eu não tenho chão. Ou estou voando, ou estou no buraco sem fim.
 
Sim, há medicamentos que ajudam a contrabalançar a falta de serotonina – mas quaisquer medicamentos para isto possuem efeitos colaterais absolutamente devastadores. O uso contínuo do Lítio, por exemplo, o mais comum dentre eles, não apenas causa depressão profunda depois de apenas três meses, o que frequentemente leva ao suicídio, mas também destrói para sempre a parte do cérebro encarregada da memória, com um efeito assustadoramente parecido com a doença de Alzheimer.
 
Meu cérebro já está torrado desde há muito tempo. Nunca me lembro do meu número de telefone, a data de nascimento dos meus filhos, e, se bobear, não me lembro do meu próprio endereço. Já me aconteceu – e moro no mesmo lugar há quase trinta anos!
 
Depois de muito tempo sob o efeito do Lítio e outras drogas similares, decidi me rebelar. Em 2006, joguei no lixo toda minha farmacopéia, inclusive os famigerados remédios para dormir, e tirei da agenda o endereço do analista. De alguma maneira, resolvi tentar, de cara limpa, dar um jeito na gangorra incontrolável da minha mente.
 
Hoje em dia, se não consigo dormir, assisto a um filme ou leio um bom livro, nem que isso me leve até às primeiras horas da manhã. Se, ao despertar, sinto que estou dentro de uma redoma vazia, sento-me e repito a mim mesma: “Isto está só na sua mente”, até que consiga suportar ficar em pé para ir ao banheiro.
 
O problema é que, na maioria das vezes, isso não é verdade. As coisas não estão “só na minha mente”. Minha mente bipolar apenas reflete, exageradamente, a vida ao meu redor, e a vida ao meu redor é extremamente descontrolada.
 
Em casos como o meu, uma vida tranqüila e uma família compreensiva são requisitos indispensáveis, o que encontro nos meus filhos.
 
E ainda estou aqui. Completamente impotente frente a algumas coisas normais da vida, pelo menos posso decidir se vou ser íntegra e honesta, mesmo se o mundo assim-chamado “são” se entrega ao roubo, à mentira e ao engodo. Posso continuar lutando com palavras, mesmo se o mundo “são” já decidiu que preconceito, crueldade, antissemitismo e separativismo são aceitáveis, então para que se preocupar.
 
E também posso encorajar outras pessoas que, como eu, possuam uma mente diferente dos demais, ou sejam portadoras de alguma doença que lhes esteja corroendo o corpo. Mesmo que apenas para dizer-lhes: eu entendo.
 
Não sei se há alguma recompensa “lá em cima” para todo nosso labor e todas nossas penas por aqui. As pessoas que me juram de pés juntos que sim, isso tudo existe, geralmente são as mesmas que me lançam as mentiras mais cabeludas, e me torcem o nariz por ser diferente, acenando-me com os fogos do inferno.
 
Seja como for, sei que há uma enorme paz em deitar a cabeça no travesseiro à noite, ainda que seja tarde da noite, e dizer: HOJE EU FIZ O MELHOR QUE PUDE.
 
Talvez você, amigo ou amiga, esteja, agora mesmo, passando por momentos terríveis, dores imensas, buracos negros intermináveis. Se esse for o caso, espero que, de alguma maneira, compartilhar minha realidade com você lhe tenha sido um consolo. Ajuda saber que não estamos sós, e ver a vida sob outra perspectiva.
 
Aconteça o que acontecer, por maiores que forem suas penas, por favor mantenha-se verdadeiro e íntegro. Como disse, há uma beleza imensa em deitar a cabeça à noite, sabendo que você fez o melhor que podia, e seu coração permaneceu puro apesar de tudo, até mesmo se seu corpo ou sua mente estiverem em turbilhão.
 
E o rosto que olhar você do outro lado do espelho, quando despertar pela manhã, se tiver olhos verdadeiros – por mais inchados e vermelhos que se encontrem –, será sua companhia mais preciosa. Isso pode não parecer um consolo muito grande, quando tantos mentirosos, ladrões e assassinos passam pela vida aparentemente incólumes, rindo felizes, mas acredite – a paz que advém de uma consciência limpa é o maior poder que já foi concedido ao homem.
 
Pense nisto, e tire suas forças deste poder, amiga ou amigo. Afinal, esta é a única paz verdadeira que há – a paz apesar da tormenta.
 
E esta é A PAZ DOS INOCENTES. 
 

 
 
 fig: "Depressão", Dalva Agne Lynch, 2009
 
 
Dalva Agne Lynch
Enviado por Dalva Agne Lynch em 03/02/2010
Reeditado em 20/05/2016
Código do texto: T2067634
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