O texto abaixo foi escrito para uma senhora cuja filha estava em coma há muitos meses. Espero que possa servir de ajuda a outras pessoas que possuem entes queridos neste estado:
COMA: COMPARTILHANDO UMA EXPERIÊNCIA
₢ Dalva Agne Lynch
COMA: COMPARTILHANDO UMA EXPERIÊNCIA
₢ Dalva Agne Lynch
Amiga,
Estive no site que você fez sobre sua filha, e isto me moveu a escrever-lhe.
Veja bem: estive em coma por 29 dias, devido a uma overdose de remédios. Como havia ficado nove minutos e quarenta e cinco segundos clinicamente morta, os médicos disseram a meus filhos que eu não acordaria do coma, e que ficaria em estado vegetativo.
No início, meus filhos me visitaram na UTI, mas eu estava, para eles, completamente inconsciente. Falaram comigo, apertaram minha mão, tentaram ver se, de alguma maneira, os médicos estavam enganados, e eu talvez respondesse à sua voz, ao seu toque. Nada. Deixaram-me então aos cuidados médicos, e não retornaram mais ao hospital.
Mas o que eles não sabiam, amiga, e o que os médicos não sabem (ou não acreditam), é que eu podia ver e ouvir tudo ao meu redor - apenas não podia interagir com o mundo.
O texto abaixo é uma transcrição do que ocorreu comigo desde o momento em que entrei em coma, até sair dela, 29 dias mais tarde. Ele faz parte de meu livro Elite Celestial. Abaixo do texto, volto a falar com vc. Eis o texto:
Cruzando o Vale das Sombras da Morte
Dalva Agne Lynch
Ouvi dizer que não se está consciente de nada durante um coma, mas isto não é verdade. Eu podia sentir o mundo lá fora, mas não podia interagir com ele. Na vida dentro de minha mente, eu estava do outro lado de um espelho. Podia ver e ouvir o que estava sendo dito e feito no quarto real, mas não podia responder. Eu estava no reflexo do quarto dentro do espelho.
Minha primeira impressão desta vida paralela, entretanto, foi uma praia. Eu estava caminhando por dunas cálidas e suaves, com o oceano batendo nas rochas próximas. Olhei para trás. Meus pés não deixavam marcas na areia.
Havia música no ar. Caminhei em direção ao som, e descobri que ele vinha de uma pequena tijela de prata em forma de rim. Ela se embalava suavemente na areia, enquanto seu conteúdo, cintilante ouro em pó, movia-se de um lado a outro. De algum modo, eu sabia que aquilo era ouro verdadeiro. E, de algum modo, sabia que aquele ouro em pó era a minha alma. A alma que eu havia devolvido ao Eterno, em troca da liberdade de meus filhos.
Continuei a caminhar em direção às rochas. Eu vestia uma saia marron e amarela, esvoaçante, e um chapéu de palha de abas largas, com uma echarpe também marron e amarela. O vento soprava nas saias e na echarpe, sussurrante.
O céu era azul transparente, com nuvens esparsas. Observei o voo elegante de uma garça cortando o azul. Estiquei o braço e ela circulou o ar acima de minha cabeça, pousando suavemente no meu braço. Eu a segurei e comecei a me elevar do solo, pairando sobre as rochas, até atingir um pico que se levantava como uma estalagmita. Segurei-me a ele, ouvindo o sussurrar do vento, o ronronar das ondas, e a tudo-envolvente música do ouro na tijela de prata. Senti uma grande sensação de paz, como se aquele fosse meu lugar.
Mas não durou muito tempo. Fui duramente arrancada da rocha, e estava de repente dentro de um trem que corria por um longo túnel escuro. O trem era tão rápido, que eu não conseguia ficar em pé. Olhei pela janela suja, para uma sequência de plataformas cheias de gente de todas as idades, esperando por um trem. Mas meu trem não parou.
Agachada no châo, tentando ficar em pé, ouvi alguém chamar meu nome.
“Dalva! Dalva, olhe aqui!”
Do outro lado do vagão, minha tia e minha prima estavam me acenando. “Venha conosco, Dalva! É divertido!” Elas estavam tecendo um fio de material macio, fazendo longas tiras sedosas. Mais tarde, a memória disto me fez pensar nas Wyrds, as três deusas nórdicas do Destino, para sempre tecendo o fio da existência.
As duas haviam falecido há quase vinte anos atrás. E subitamente eu sabia onde estava. Eu estava no túnel da Morte. Então lembrei-me de um banheiro, eu circundada por caixas e caixas de soporíferos, com uma espada de prata na mão. Meu sangue se esvaindo.
Se eu estava morta, não haveria Luz no fim daquele túnel. Pensei no filme "Amor Além da Vida", no qual a esposa estava para sempre em um mundo escuro de vir-a-ser, do qual o esposo a resgata no fim. Eu não tinha ninguém que me amasse tanto, a ponto de dar a vida para me resgatar do vir-a-ser.
“Senhor, eu quero estar na Tua Luz. Aconteça o que acontecer, dei toda a minha vida à busca dessa Luz Eterna. Por favor, dá-me outra chance de conseguir!”
Ouvi uma risada. Olhei à minha volta – um velhinho estava sentado de costas para mim em um dos bancos, seus longos cabelos brancos caindo sobre o colarinho de seu casaco preto, com um chapéu de feltro também preto na cabeça. “Olhe para cima! Se a data no painel não for a data de hoje, espere que o trem pare. Quando ele parar, corra em direção à luz!”
Levantei os olhos. Em um painel iluminado, a data era dois de junho de 2024. Mas hoje não podia ser 2024! Enquanto eu ponderava, o trem começou a diminuir de velocidade. O velhinho desaparecera. Uma porta se abriu do outro lado do corredor, e um raio de sol atravessou a soleira. Levantei-me e corri em sua direção. As portas do trem se fecharam às minhas costas, e encontrei-me em uma plataforma banhada pelo sol. Atravessei a rua, e estava em casa.
Estava, entretanto, em minha casa de Dallas, não em minha casa de São Paulo. Ouvi vozes, mas não vi ninguém. Um trailer estava estacionado na passarela, e espiei pela porta. Minha sogra, David, meu cunhado, sua esposa, e duas crianças, estavam conversando sentados ao redor da mesa de jantar. Chamei, mas ninguém me ouviu. Eu estava do outro lado do espelho.
“David! David, ajude-me! Estou de volta, David!”
Ele não me escutou. Caí ao chão, no barro e na lama. As crianças saíram para brincar. “Ajudem-me”, gritei. Elas pararam ao meu lado, curiosas, mas não fizeram coisa alguma. Quando se foram, senti meu estômago se retorcendo (talvez fosse quando eles bombearam meu estômago para tirar os comprimidos). Dois braços vestidos de branco me levantaram. Será que era um médico? Um anjo? Certa vez, há muitos anos atrás, outra figura vestida de branco me havia levantado.
E de repente eu estava no hospital, amarrada à cama. Gente ia e vinha, mas não consegui fazer com que ninguém me escutasse. Sam e Mer também vieram. Ouvi-os conversando, mas o espelho estava entre nós. Eu não os podia atingir. "Ela não pode ouvir vocês", disse o médico. E eu não conseguia dizer que sim, que eu ouvia, por favor, por favor nao me deixem!
E daí eu estava sozinha, por dias e dias sem fim.
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Amiga, sua filha pode ouvir tudo a seu redor. Ela pode ver. Leia para ela, coloque música, filmes bonitos. Dê-lhe flores. Vista-a com roupas bonitas, penteie seu cabelo. Eu me sentia tão feia com aquela roupa branca, e sabendo que ninguém penteava meu cabelo!
Eu também sentia muito frio, principalmente porque estava imóvel. Ficava tão agradecida quando me mudavam a fralda, e me cobriam bem! Lembro de ficar horas esperando por uma mudança de fralda, a ponto de chorar. Eu podia ver o relógio na parede, e ficava contando as horas.
Era muito desconfortável estar sempre na mesma posição, mas ninguém me mudava. Seria tão bom poder olhar para outras coisas que não fosse sempre o mesmo pedaço de parede!
Eu chorei de tristeza muitas vezes, e as lágrimas me escorriam pelo rosto, mas não havia ninguém para secá-las, ou, se havia, ninguém pensava que era importante, já que eu estava em coma. Quando me secavam as lágrimas, quando limpavam meu rosto, era tão bom!
Muitas vezes as enfermeiras estavam muito ocupadas, e não me davam banho. Eu me sentia suja, fedorenta. E também, muitas vezes, davam-me banho no quarto gelado, com água gelada, e eu sentia tanto, tanto frio! Quando der banho em sua filha, amiga, aqueça o quarto. Coloque-lhe talco, perfume. Ela sente cheiro! Ela vai gostar de se sentir cheirosa e bonita.
Havia muitos enfermeiros brutos, que me mudavam sem cuidado. Outras vezes, havia enfermeiras bondosas, e suas mãos eram macias. Sua filha pode sentir - ela vai sentir seu amor quando a tocar delicadamente, com cuidado.
A vida dela são seus sentidos - dê-lhe belas coisas para olhar, linda música ou histórias para ouvir. Há muitos cds de histórias, livros inteiros em áudio. Fantasia é o melhor, porque romance ou coisas assim podem fazê-la pensar na realidade que lhe escapa.
Mantenha o quarto sempre em temperatura agradável, cheiroso, iluminado. Coloque cobertas coloridas e bonitas. Mude a cama de lugar com frequencia, ou coloque quadros e figuras na parede para onde ela olha. Faça o mundo dela bonito, porque ela não pode fazer por si mesma. Ouvir, ver, aspirar, sentir. É só o que ela pode fazer.
Vocè pode dar uma vida bonita para sua menina - ela não está morta, nem ausente. Apenas está do outro lado do espelho.
Por favor deixe-me saber como estão as coisas, como você mesma está, e se isto tudo que lhe disse ajudou em alguma coisa.
E seja para o que for, estou aqui, às suas ordens.
Com muito carinho,
Dalva Agne Lynch
Nota: a música desta página é a música que ouvi na experiência da praia, durante meu coma.
fig: encontrada na net sem autoria
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