Mais uma história de Natal (2006)
Dalva Agne Lynch
Você sabe do que me aconteceu no Natal de 85, não é mesmo? (ver o texto Minha História de Natal -
http://www.dalvalynch.net/visualizar.php?idt=483306). Pois é. Eu deveria me esconder no Natal. Eu me escondo - não saio por aí. Mas tem uma coisa que procuro fazer.
Lá fora há uma quantidade enorme de pessoas solitárias. Através dos anos, foram elas que me encheram o coração. Por que não fazer um Natal não para nós, mas para eles? Foi minha solução para o desespero.
Durante muitos anos, na semana anterior ao Natal, eu percorria as pontes da cidade, sob as quais os migrantes ou os desempregados armavam suas barracas provisórias, e onde a pobreza era extrema. Eu anotava o local, quantas pessoas havia na barraca, idades, etc.
No dia de Natal, saía com meus pequeninos (eles eram bebês, depois foram crescendo, agora são adultos) e o carro cheio de caixas com comida, brinquedinhos, lápis de cor, cadernos, roupas.
Em cada barraco, meus pequeninos entregavam as caixas, enfeitadas e coloridas, a mendigos em andrajos e lágrimas nos olhos. Daí nós cantávamos canções de Natal para eles, e íamos para a próxima ponte - não sem antes dizer: vocês não estão sozinhos. Há Alguém que está com vocês, e ouve quando sofrem.
Em uma dessas entregas, em 1991, minha filhinha, que tinha então três anos, pegou sarna de uma menininha sob a ponte da Avenida Bandeirantes. Coitadinha... Mas cada vez que ela estava se sentindo mal e coçando (levou alguns dias para sarar), nós conversávamos a respeito da felicidade da menininha, recebendo roupinha nova, brinquedinhos, doces. E ela via que tinha valido a pena.
Mais tarde, quando ficou mais perigoso sair assim (mais ou menos em 1996), começamos ir a um orfanato. Íamo à Casa Abba, um lar-triagem para crianças de rua, fazer a mesma coisa, e depois a um lar de pessoas idosas que há em Interlagos. Lá era diferente: eu fazia as crianças se vestirem muito lindas, com halos feitos daquelas guirlandas douradas que se coloca na árvore de Natal. Eles cantavam, representavam espontâneamente a cena do Natal, e depois a cena do Templo, em que os sacerdotes de Israel acendem uma única lâmpada com o óleo sagrado, e ela, miraculosamente, dura oito dias - os dias necessários para que fizessem mais óleo. A Luz do Espírito, jamais se apagando, que nós, judeus, comemoramos bem na época do Natal, na festa de Hannukah.
Daí as crianças distribuíam não presentes, mas cartões feitos por eles mesmos, apenas folhas de papel com desenhos e mensagens. E, o mais importante: abraçavam cada um dos anciões.
Anos mais tarde, eu mal tinha tempo para respirar, quanto mais sair, no dia de Natal. Um ou outro de meus flhos soldados sempre vinha para casa, e precisava de toda a atenção e mais um pouco. Então eu reunia a garotada solitária - os que estavam longe de casa, ou que estavam brigados com os pais - adolescentes e jovens adultos amigos dos meus filhos, ou meus estudantes, para uma refeição, presentes, etc.
Agora, depois que voltei do outro lado do espelho, não saio mais de casa, e, neste Natal, apenas dois de meus filhos vão estar aqui. Mas isto é o que digo agora. Não sei quem baterá à minha porta no dia de Natal, pedindo comida, roupa, o dinheiro da condução... Sejam eles quem forem, certamente serão trazido pelo Eterno, buscando abrigo onde há Luz.
Nunca estaremos sós enquanto o mundo ainda precise de nossa Luz. Que saibamos recebê-los como a Luz da Estrela Guia sobre a Sukkah do Cristo, e como a Luz das nove candeias da Hannukiah - anunciando que sim, ainda há esperança.
Dalva Agne Lynch
Você sabe do que me aconteceu no Natal de 85, não é mesmo? (ver o texto Minha História de Natal -
http://www.dalvalynch.net/visualizar.php?idt=483306). Pois é. Eu deveria me esconder no Natal. Eu me escondo - não saio por aí. Mas tem uma coisa que procuro fazer.
Lá fora há uma quantidade enorme de pessoas solitárias. Através dos anos, foram elas que me encheram o coração. Por que não fazer um Natal não para nós, mas para eles? Foi minha solução para o desespero.
Durante muitos anos, na semana anterior ao Natal, eu percorria as pontes da cidade, sob as quais os migrantes ou os desempregados armavam suas barracas provisórias, e onde a pobreza era extrema. Eu anotava o local, quantas pessoas havia na barraca, idades, etc.
No dia de Natal, saía com meus pequeninos (eles eram bebês, depois foram crescendo, agora são adultos) e o carro cheio de caixas com comida, brinquedinhos, lápis de cor, cadernos, roupas.
Em cada barraco, meus pequeninos entregavam as caixas, enfeitadas e coloridas, a mendigos em andrajos e lágrimas nos olhos. Daí nós cantávamos canções de Natal para eles, e íamos para a próxima ponte - não sem antes dizer: vocês não estão sozinhos. Há Alguém que está com vocês, e ouve quando sofrem.
Em uma dessas entregas, em 1991, minha filhinha, que tinha então três anos, pegou sarna de uma menininha sob a ponte da Avenida Bandeirantes. Coitadinha... Mas cada vez que ela estava se sentindo mal e coçando (levou alguns dias para sarar), nós conversávamos a respeito da felicidade da menininha, recebendo roupinha nova, brinquedinhos, doces. E ela via que tinha valido a pena.
Mais tarde, quando ficou mais perigoso sair assim (mais ou menos em 1996), começamos ir a um orfanato. Íamo à Casa Abba, um lar-triagem para crianças de rua, fazer a mesma coisa, e depois a um lar de pessoas idosas que há em Interlagos. Lá era diferente: eu fazia as crianças se vestirem muito lindas, com halos feitos daquelas guirlandas douradas que se coloca na árvore de Natal. Eles cantavam, representavam espontâneamente a cena do Natal, e depois a cena do Templo, em que os sacerdotes de Israel acendem uma única lâmpada com o óleo sagrado, e ela, miraculosamente, dura oito dias - os dias necessários para que fizessem mais óleo. A Luz do Espírito, jamais se apagando, que nós, judeus, comemoramos bem na época do Natal, na festa de Hannukah.
Daí as crianças distribuíam não presentes, mas cartões feitos por eles mesmos, apenas folhas de papel com desenhos e mensagens. E, o mais importante: abraçavam cada um dos anciões.
Anos mais tarde, eu mal tinha tempo para respirar, quanto mais sair, no dia de Natal. Um ou outro de meus flhos soldados sempre vinha para casa, e precisava de toda a atenção e mais um pouco. Então eu reunia a garotada solitária - os que estavam longe de casa, ou que estavam brigados com os pais - adolescentes e jovens adultos amigos dos meus filhos, ou meus estudantes, para uma refeição, presentes, etc.
Agora, depois que voltei do outro lado do espelho, não saio mais de casa, e, neste Natal, apenas dois de meus filhos vão estar aqui. Mas isto é o que digo agora. Não sei quem baterá à minha porta no dia de Natal, pedindo comida, roupa, o dinheiro da condução... Sejam eles quem forem, certamente serão trazido pelo Eterno, buscando abrigo onde há Luz.
Nunca estaremos sós enquanto o mundo ainda precise de nossa Luz. Que saibamos recebê-los como a Luz da Estrela Guia sobre a Sukkah do Cristo, e como a Luz das nove candeias da Hannukiah - anunciando que sim, ainda há esperança.