#1. Diário do Bardo.

15 de Março de 1803.

CARACAS, República Bolivariana da Venezuela;

     Quem diria que esta viagem me renderia tanto quanto posso registrar. Hoje fiz um novo amigo, este cujo nome revela origem tão inusitada, Inácio!, disse-me provir da Colônia do Brasil, cujas dependências encontram-se sob o domínio da coroa de Portugal. Contou-me sobre uma “terra de delícias” que tudo quanto nela se planta, tudo se faz crescer. Pareceu-me, dado seu relato tão entusiasmante, ser um lugar de solo fértil e cultura cativante — apesar de sua coroa temer os abolicionistas e resistir contra a liberdade dos bons cidadãos de cor. Muito provavelmente, Humboldt, que por lá há de passar, não venha conseguir adentrar aquele “admirável mundo novo”.

     De qualquer forma… Inácio me falou sobre sua língua materna e como esta é de difícil tradução. Soou-me deveras afetiva. Desafiou-me a traduzir a palavra “saudade”. Nunca havia ouvido falar, mas gosto de como a língua desliza ao céu da boca, como se ansiasse alçar voo, saltar para fora, como fazem os que dela se compadece. Ouvi-a porque me falava sobre sua casa e como sentia essa “saudade” dos abraços de sua mãe e dos sorrisos de sua esposa. Me compadeci, porque muito embora já não viva mais o amor de todas as minhas vidas, sua senhora, assim ele me conta, segue pulcra e bela em toda sua plenitude.

     A bem da verdade é que ao longo de todo este dia tal proposição me ocupou todo o pensamento. Pois me disse que essa palavra só existia em sua língua e que, sendo exclusiva, nenhum outro idioma a contemplaria com aceitável exatidão. Penso que o meu espírito aventureiro e desafiador se sentiu impelido a se debruçar em uma busca pelo dito “impossível”.

     Os meus achados não foram satisfatórios, confesso. Por mais que em nosso alemão “die Sehnsucht” expresse esse desejo e anseio; a dolorosa falta ou uma ausência temida (ou mesmo aquela que já se aprochegou)... parece-me pairar sobre o espaço de um passado muito abstrato… “Vermissen” que quer dizer “falta de, dar por falta” ainda não abarca completamente o que tal palavra, em tonalidade tão afetiva, quis significar. A saudade de casa; de sua terra mãe, eu até poderia tentar encaixá-la em “das Heimweh”, mas o vínculo com seu significado tem um ar de melancolia que não se enquadra, ao meu ver… Tem um significado único essa infinitude de sentimentos densos que se entrelaçam entre a falta, a tristeza e a esperança. Saudade!

     Depois de muito refletir, desisti.

     Pois ele, Inácio, me falava dessa saudade que sentia com tanta alegria e entusiasmo que eu só poderia deduzir ser esta palavra um conceito incabível a qualquer tradução. Escolhê-la para fazer-se comportar ao significado de outra língua seria, no mínimo, criminoso… que seja proferida, então, como deve ser.

PS: No meu dicionário pessoal, apesar de tudo, quando penso em “saudade” logo me vem à mente o semblante de Genevieve e todas as suas diversas facetas ridentes. Que saudade…

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Personagem fictício criado para fins RPGisticos.

Siegfried, O Bardo.

BARDUS
Enviado por BARDUS em 16/09/2024
Reeditado em 16/09/2024
Código do texto: T8153073
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