Uma família de vizinhos peculiar
Os anos 90 não eram para os fracos. Para começar, não tinha telefone, nem internet e muito menos redes sociais. Para você encontrar alguém, tinha que ir até a casa da pessoa e torcer para que ela não tenha ido também encontrar outra pessoa. Ainda não éramos a aldeia global.qie somos hoje. Era cada um na sua tribo. Quem era de um bairro dificilmente tinha relações com alguém que fosse de um bairro diferente, salvo se por lá tivesse algum familiar ou amigo que havia se mudado.
Quem era dos Ipês não costumava, e nem era aconselhado, ir para certos lugares em Mandacaru ou para o bairro São José. Eu tenho uma teoria, que se o bairro tem nome de santo é porque a coisa lá é um inferno. Continuemos...
O lado bom dos anos 90 era que não havia as grandes.gangues que hoje aterrorizam as nossas cidades. Os líderes da Okaida ainda era crianças que só roubavam bolas de gudes. Os marginais também eram divididos por bairros. Hoje estão todos sindicalizados. De norte a sul, são todos das mesmas meia dúzia de facções.
Na rua de minha casa tinha uma família de bandidos. Falo sem temor porque todos já morreram. E se tivesse outra nomenclatura para chama-los eu os chamaria, mas não tem. Eles eram profissionais e só faziam o que sabia fazer: roubar.
Hoje eles não existem mais. Cortaram, como dizem, o mal pela raiz. Não restou um para fazer um chá. Digo isso com tristeza, eu juro, já que somos imagem e semelhança do criador.
Os caras praticaram um roubo na casa de um juiz e de quebra abusaram sexualmente da empregada. Vou te falar. Nunca tinha visto tanta polícia na minha vida. Até meu pai e meu irmão que também eram policiais foram revistados nesse dia. A polícia não deixou o nosso bairro até que os meliantes fossem presos.
Infelizmente, as crianças da família que estou falando também trilharam o caminho do crime. Morreram antes de chegar a maior idade. Quando eu disse que cortaram o mal pela raiz não estava mentindo.
Uma vez, o cachorro deles mordeu o meu irmão e ele revidou com chutes de coturno, para se livrar do animal. Pense numa confusão. Era tipo a guerra fria. Eles sabiam que meu irmão e meu pai eram "polícia" e meu irmão e meu pai sabiam que eles eram bandidos e ambos os lados sabiam que ambos tinham armas. Graças a Deus tudo se limitava ao clima de tensão.
O bairro dos Ipês era perigoso, mas não ao ponto de arrancarem a cabeça de um desafeto e fazer embaixadinha, sem esquecerem de registrar tudo como fazem hoje em dia.
Os meus vizinhos eram perigosos, mas não aterrorizavam os moradores, como estão hoje as nossas periferias. Entrar de capacete, nem pensar. Minha mãe teve que se mudar do antigo bairro justamente por não aguentar mais ver os donos da rua andando armados a qualquer hora do dia. Eu, que morei lá de 2006 a 2015, entrava com medo no bairro. O melhor que mãe fez foi se mudar.
A respeito dessa desordem, prefiro mil vezes os anos 90.