Sendo sustentados pelo governo

Sem ter vergonha, eu digo que a minha infância foi um período em que a pobreza rondava as nossas vidas. E não só da minha família, mas também a vida de todos que moravam em nosso entorno.

 

Já contei que morávamos na favela dos Ipês, e também que a casa em que morávamos tinha um buraco no banheiro que dava para ver e ser visto por quem andava na rua.

 

Sandália? A gente usava até fazer um buraco no calcanhar e se quebrasse a correia, metíamos o famoso prego e tudo se resolvia.

 

Em tempo de eleição, a briga era feia para ganhar uma camisa de político. Lembro de uma de Artur Cunha Lima, que chega dava medo na gente, mas usamos e reusamos até ela passar de camisa para flanela, de flanela para pano de chão, de pano de chão para pano de limpar os pés dia de chuva antes de entrar em casa.

 

A primeira camisa que eu ganhei de verdade, de tão feliz, a prendi num prego e a rasguei. A única camisa nova que eu tinha. A camisa de ir para a igreja. Outra vez, no dia das crianças, ganhei uma camisa da copa de 90, e nem sei até quando eu a usei. Olha que isso foi em 96.

 

O café da manhã e o almoço era por conta do governo. Na época do governo de Zé Maranhão tinha o projeto pão e sopa. Todos os dias, exceto nos finais de semana, que pobre não costuma comer nos sábados , domingos e feriados, lá no Centro Social Urbano, a gente ia pegar as nossas refeições.

 

Tinhamos um cadastro e por cada membro da família a gente ganhava dois pães diários e um pacote de leite de soja. Podia ter sido o nosso maior pecado, mas o leite a gente jogava fora de tão ruim que era. Uma vez, eu bebi um copo de leite de 200 ml e vomitei mais de litro. Não sei como, mas ele se multiplicou no meu estômago.

 

Já o pão era de primeira linha. A gente enfrentava uma fila pela manhã e na nossa hora, dávamos um saco para o atendente e fazíamos cara de triste enquanto ele colocava os pães na sacola. A cara era o instrumento que tínhamos para que ele tivesse pena da gente e colocasse mais uns três pães em nosso saquinho.

 

A situação era tão séria, que minha irmã Vera até namorou com um dos atendentes na esperança de recebermos uns pãezinhos a mais.

 

À tarde era a vez da sopa. Minha família tinha um balde de três litros, era um balde reciclado de tinta. Papai escreveu o nome dele do lado de fora e era assim que pegávamos o nosso jantar.

 

Vou te contar, a sopa era primeira de luxo. Pai era amigo de um dos entregadores da sopa, e isso garantia uma sopinha bem recheada de carne para todos nós.

 

Eu ia pegar o pão com meu amigo Leandro. Já a sopa, eu ia sozinho. Leandro morria de vergonha. Se ele via alguém conhecido no meio do caminho, ele quase que subia nas árvores.

 

Era uma época de pobreza mas a gente era feliz demais.

George Barbalho
Enviado por George Barbalho em 30/08/2024
Reeditado em 30/08/2024
Código do texto: T8140651
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