As letras mais incompreensíveis da música popular brasileira

As letras mais incompreensíveis da música popular brasileira

por Márcio de Ávila Rodrigues

[01/07/2023]

No livro Na Toca dos Leões (2005), o jornalista e escritor Fernando Morais conta que, lá pelos inícios dos anos 90, o colunista do jornal "O Globo" Artur Xexéo promoveu um hilariante concurso com a finalidade de escolher o verso mais incompreensível da música popular brasileira. Ao vencedor seria entregue o troféu “Zum de Besouro”. Os seus leitores foram os eleitores e o resultado foi o seguinte:

1.º lugar – Gilberto Gil – música Refazenda

Abacateiro teu recolhimento é justamente

O significado da palavra temporão

Enquanto o tempo não trouxer teu abacate

Amanhecerá tomate e anoitecerá mamão

Abacateiro sabes ao que estou me referindo.

2.º lugar – Cazuza e Ezequiel Neves – música Codinome Beija-Flor

Que só eu que podia

Dentro da tua orelha fria

Dizer segredos de liquidificador.

3.º lugar – Jorge BenJor – música Alô, Alô, W/Brasil (Chama o Síndico)

Jacarezinho, avião, Jacarezinho, avião

Cuidado com o disco voador

Tira essa escada daí,

Essa escada é pra ficar aqui fora

Eu vou chamar o síndico

Tim Maia! Tim Maia! Tim Maia!

O nome do troféu é altamente significativo: “zum de besouro“ é uma estrofe da música Açaí, de Djavan, um marco em qualquer listagem de letras musicais estapafúrdias. O verso completo é, no mínimo, enigmático: “Açaí, guardiã / Zum de besouro um imã / Branca é a tez da manhã”.

A brincadeira do brilhante jornalista Artur Xexéo (que faleceu em 2021, aos 69 anos) foi muito comentada na internet e a única reação partiu do próprio Djavan, que se defendeu das críticas e assim explicou a estrofe citada: “Também no Norte, os sertanejos ficam atentos a qualquer barulho vindo da natureza, fazendo-os ficar atentos e apontarem qual bicho está emitindo aquele som. É algo que os atrai, daí ‘Zum de besouro um imã”. Fonte: programa Som do Vinil (Canal Brasil), conforme relatado, em 02/10/2012, por um blog especializado em música brasileira (http://mpbbossa.blogspot.com.br).

Um detalhe interessante que não foi discutido desde então (ou eu não vi algum texto sobre o tema) é que o Djavan se refere à palavra “imã” como fonte de magnetismo, mas neste caso a palavra correta seria “ímã” com acento no “i” e uma pronúncia diferente pois é paroxítona. Verifiquei o próprio site oficial do cantor, que registra mesmo “imã”, sem acento.

No entanto, são palavras diferentes, de sentidos diferentes. Imã (sem o acento agudo) ou imame é de origem árabe e significa “aquele que guia”, representando o cargo de uma importante figura religiosa para o povo islâmico. A música de Djavan foi lançada em 1982, no álbum “Luz”, e naquela época as questões muçulmanas eram muito discutidas na mídia por causa da revolução iraniana, o que só agravou a dificuldade de compreender a letra.

Mas não é difícil concluir que o Djavan praticou, conscientemente, uma corruptela linguística. Ímã não rima com guardiã, então ele dispensou o acento por conta própria.

Alguns links para o interessante tema, incluindo postagens minhas anteriores:

https://marodrigues17.wordpress.com/2013/04/13/a-musica-acai-de-djavan-virou-sinonimo-de-letra-estapafurdia/

https://marodrigues17.wordpress.com/2013/04/14/artur-xexeo-colunista-do-jornal-o-globo-elegeu-as-tres-letras-mais-incompreensiveis-da-musica-popular-brasileira/

https://musica.uol.com.br/noticias/redacao/2017/08/28/djavan-nao-esta-sozinho-as-10-letras-mais-sem-sentido-da-mpb.htm

http://mpbbossa.blogspot.com.br

https://djavan.com.br/discografia/luz/

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Sobre o autor:

Márcio de Ávila Rodrigues nasceu em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, Brasil, em 1954. Sua primeira formação universitária foi a medicina-veterinária, tendo se especializado no tratamento e treinamento de cavalos de corrida. Também atuou na área administrativa do turfe, principalmente como diretor de corridas do Jockey Club de Minas Gerais, e posteriormente seu presidente (a partir de 2018).

Começou a atuar no jornalismo aos 17 anos, assinando uma coluna sobre turfe no extinto Jornal de Minas (Belo Horizonte), onde também foi editor de esportes (exceto futebol). Também trabalhou na sucursal mineira do jornal O Globo.

Possui uma segunda formação universitária, em comunicação social, habilitação para jornalismo, também pela Universidade Federal de Minas Gerais, e atuou no setor de assessoria de imprensa.