Somos sujeitos de linguagem
Não basta que o indivíduo se construa a partir da linguagem, é necessário que ele tenha consciência disso, proporcionando o entendimento de que a comunicação é um fenômeno intrínseco ao ser humano. Mas qual é a relação entre a linguagem e o sujeito e qual a sua importância no autoconhecimento e nas relações interpessoais? Esse assunto sempre teve e nitidamente ainda tem uma relevância significativa no cenário mundial, visto que é por meio da linguagem que externamos nossos pensamentos, estabelecemos a comunicação com o outro, socializamos, e estruturamos nossas ideias. Além disso, a linguagem se consolida como um instrumento que lança as bases para diversas interpretações de tudo o que nos cerca, configurando-se em determinadas circunstâncias, como a base para a manifestação de nossa ideologia perante o que nos cerca, fato que muitas vezes pode gerar divergências, inclusive nos ambientes de interação dominantes na contemporaneidade, como a internet. Apesar disso, a linguagem em seu sentido mais objetivo, nos faz compreender a importância do diálogo, e de igual maneira, da escuta ativa. Isso tudo, sem mencionar o fato de que é simplesmente impossível tratarmos sobre a linguagem, ignorando todo o aspecto cultural e identitário que ela engloba, bem como a noção de pertencimento que a ela é inerente.
É importante percebermos a fala e a língua como elementos distintos, mas que estabelecem relações de complementaridade entre si. E quem inicialmente diferenciou esses dois elementos da linguagem, foi Ferdinand de Saussure, um linguista suíço que muito contribuiu para o estudo da linguagem quanto ciência. Segundo ele, a fala pertence à dimensão individual da linguagem, enquanto que a língua se expressa de uma forma mais social e coletiva. Partindo dessa premissa,podemos diferenciar a língua de linguagem, sendo a primeira, um elemento que compõe a segunda. Mas é imprescindível o entendimento de que a linguagem abrange muito mais do que simplesmente a fala ou a palavra escrita, pois ela é um sistema simbólico que sustenta todos os processos comunicativos, que podem ocorrer também por meio de números, códigos, gestos, da música e inclusive das artes no geral, que se utilizam da semiótica como um outro desdobramento da linguagem na busca pelo despertar dos efeitos e sentimentos humanos.
Um exemplo prático e mais palpável que foge um pouco da abstração e que de fato demonstra um benefício tanto pessoal quanto social, é o uso da linguagem como instrumento de entendimento de si e do outro. Esse conceito é explorado entre outros autores, pelo linguista e psicanalista Jean-Claude Milner, da Universidade de Paris. E é nesse ponto surge o aspecto clínico do autoconhecimento: a psicanálise. Ela consiste basicamente na interpretação de símbolos emitidos pelo inconsciente, tendo a palavra como veículo que o carrega. Para tanto, Lacan se apropria da teoria linguística proposta por Saussure e a aplica a prática psicológica. Então nesse caso, a palavra como símbolo, tem de forma análoga, uma bagagem simbólica repleta de significação, e que atua como uma ponte de comunicação entre o que se passa com o indivíduo e o mundo exterior, ela passa a ser descaracterizada como mensagem e assume o posto de veículo, sendo um elo que auxilia na busca pela solução de problemas e patologias que irradiam para todo o restante da pessoa, ao fazer uso de um método que clarifica uma linguagem ainda mais subjetiva e internalizada, mas capaz de vir à tona através da palavra.
A partir disso, podemos observar um deslocamento do foco que a linguagem ocupa na comunicação. Porque ao invés de o ser humano se enxergar como um elaborador da linguagem, ele passa a percebê-la como um elemento formador do sujeito. Ou seja, a concepção da passividade em relação à língua, como se ela fosse formada, é substituída por um caráter ativo da linguagem como um ente transformador em nós mesmos, capaz de se modificar, dinamizar e se adaptar às circunstâncias, ao lugar e ao tempo em que se vive. Pensar a linguagem como solução, é um dos primeiros passos para o entendimento de nós mesmos, nela podemos ver refletidas civilizações, histórias e memórias que vêm à tona quando passamos a nos perguntar o verdadeiro papel que língua e linguagem desempenham em nossas vidas, o que certamente transcende o ensino da língua portuguesa nas escolas com suas respectivas regras gramaticais, sintáticas e estilísticas, que por vezes desmotivam o indivíduo a encarar a língua com todo o seu valor e grandiosidade ou a entendê-la como um fator indissociável ao seu cotidiano e suas relações. Refletir sobre a linguagem consiste sobretudo, em permitir a nós mesmos, sermos refletidos também por ela.