Estilos, métricas e rimas - Material essencialmente sobre poesia de cordel

QUADRA

Estrofe de quatro versos. A quadra iniciou o cordel, mas hoje não é mais utilizada com frequência pelos cordelistas. Porém, as estrofes de quatro versos ainda são muito utilizadas em outros estilos de poesia sertaneja, como a matuta, a caipira, a embolada, entre outros.

A quadra é mais usada com sete sílabas. Obrigatoriamente tem que haver rima em dois versos (linhas). Cada poeta tem seu estilo. Alguns usam rimar a segunda com a quarta. Exemplo:

Minha terra tem palmeiras

Onde canta o sabiá (2)

As aves que aqui gorjeiam

Não gorjeiam como lá (4).

Outros preferem rimar todas as linhas, alternando ou saltando. Pode ser a primeira com a terceira e a segunda com a quarta, ou a primeira com a quarta e a segunda com a terceira. Vejamos estes exemplos de Zé da Luz: (ABAB ou ABBA)

E nesta constante lida

Na luta de vida e morte

O sertão é a própria vida

Do sertanejo do Norte.

Três muié, três irmã,

Três cachorra da mulesta

Eu vi num dia de festa

No lugar Puxinanã.

SEXTILHA

É a mais conhecida. Estrofe ou estância de seis versos. Estrofe de seis versos de sete sílabas, com o segundo, o quarto e o sexto rimados; verso de seis pés, colcheia, repente. Estilo muito usado nas cantorias, onde os cantadores fazem alusão a qualquer tema ou evento e usando o ritmo de baião. Exemplo:

Quem inventou esse "S"

Com que se escreve saudade

Foi o mesmo que inventou

O "F" da falsidade.

E o mesmo que fez o "I"

Da minha infelicidade.

SEPTILHA

Estrofe de sete versos; setena (de sete em sete). Estilo muito usado por Zé Limeira, o Poeta do Absurdo.

Eu me chamo Zé Limeira

Da Paraiba falada

Cantando nas escrituras

Saudando o pai da coaiada

A lua branca alumia

Jesus, José e Maria

Três anjos na farinhada.

Napoleão era um

Bom capitão de navio

Sofria de tosse braba

No tempo que era sadio,

Foi poeta e demagogo

Numa coivara de fogo

Morreu tremendo de frio.

Na septilha usa-se o estilo de rimar o segundo, quarto e sétimo versos e o quinto com o sexto, podendo deixar livres o primeiro e o terceiro.

OITAVA

Estrofe ou estância (grupo de versos que apresentam, comumente, sentido completo) de oito versos: oito-pés-em-quadrão. Oitavas-a-quadrão.

Como o nome já sugere, a oitava é composta de oito versos (duas quadras), com sete sílabas. A rima na oitava difere das outras. O poeta usa rimar a primeira com a segunda e terceira, a quarta com a quinta e oitava e a sexta com a sétima.

Quadrão

Oitava na poesia popular, cantada, na qual os três primeiros versos rimam entre si, o quarto com o oitavo, e o quinto, o sexto e o sétimo também entre si.

Todas as estrofes são encerradas com o verso: Nos oito pés a quadrão. Vejamos versos de uma contaria entre José Gonçalves e Zé Limeira: (AAABBCCB)

Gonçalves:

Eu canto com Zé Limeira

Rei dos vates do Teixeira

Nesta noite prazenteira

Da lua sob o clarão.

Sentindo no coração

A alegria deste canto *

Por isso é que eu canto tanto *

NOS OITO PÉS A QUADRÃO

Limeira:

Eu sou Zé Limeira e tanto

Cantando por todo canto

Frei Damião já é santo

Dizendo a santa missão

Espinhaço e gangão

Batata de fim de rama *

Remédio de velho é cama *

NOS OITO PÉS A QUADRÃO.

DÉCIMA

Estrofe de dez versos, com dez ou sete sílabas, cujo esquema rimático é, mais comumente, ABBAACCDDC, empregada sobretudo na glosa dos motes, conquanto se use igualmente nas pelejas e, com menos frequência, no corpo dos romances.

Geralmente nas pelejas é dado um mote para que os violeiros se desdobrem sobre o mesmo. Vejamos e exemplo com José Alves Sobrinho e Zé Limeira:

Mote:

VOCÊ HOJE ME PAGA O QUE TEM FEITO

COM OS POETAS MAIS FRACOS DO QUE EU.

Sobrinho:

Vou lhe avisar agora Zé Limeira

Dizem que quem avisa amigo é >B

Vou lhe amarrar agora a mão e o pé >B

E lhe atirar naquela capoeira

Pra você não dizer tanta besteira

Nesta noite em que Deus nos acolheu >C

Você hoje se esquece que nasceu >C

E se lembra que eu sou bom e perfeito >D

Você hoje me paga o que tem feito >D

Com os poetas mais fracos do que eu. >C

Zé Limeira:

Mais de trinta da sua qualistria

Não me faz eu correr nem ter sobrosso

Eu agarro a tacaca no pescoço

E carrego pra minha freguesia

Viva João, viva Zé, viva Maria

Viva a lua que o rato não lambeu

Viva o rato que a lua não roeu

Zé Limeira só canta desse jeito

Você hoje me paga o que tem feito

Com os poetas mais fracos do que eu.

GALOPE À BEIRA MAR

Estrofe de 10 versos hendecassílabos (que tem 11 sílabas), com o mesmo esquema rímico da décima clássica, e que finda com o verso "cantando galope na beira do mar" ou variações dele. Termina, sempre, com a palavra "mar".

Às vezes, porém, o primeiro, o segundo, o quinto e o sexto versos da estrofe são heptassílabos, e o refrão é "meu galope à beira-mar". É considerado o mais difícil gênero da cantoria nordestina, obrigatoriamente tônicas as segunda, quinta, oitava e décima primeira sílabas.

Sobrinho:

Provo que eu sou navegador romântico

Deixando o sertão para ir ao mirífico

Mar que tanto adoro e que é o Pacífico

Entrando depois pelas águas do Atlântico.

E nesse passeio de rumo oceânico

Eu quero nos mares viver e sonhar

Bonitas sereias desejo pescar

Trazê-las na mão pra Raimundo Rolim

Pra mim e pra ele, pra ele e pra mim

Cantando galope na beira do mar.

Limeira:

Eu sou Zé Limeira, caboclo do mato

Capando carneiro no cerco do bode

Não gosto de feme que vai no pagode

O gato fareja no rastro do rato.

Carcaça de besta, suvaco de pato

Jumento, raposa, cancão e preá

Sertão, Pernambuco, Sergipe e Pará

Pará, Pernambuco, Sergipe e Sertão

Dom Pedro Segundo de sela e gibão

Cantando galope na beira do mar.

MARTELO

Estrofe composta de decassílabos, muito usada nos versos heroicos ou mais satíricos, nos desafios. Os martelos mais empregados são o gabinete e o agalopado.

Martelo agalopado - Estrofe de dez versos decassílabos, de toada violenta, improvisada pelos cantadores sertanejos nos seus desafios.

Martelo de seis pés, galope - Estrofe de seis versos decassilábicos. Também se diz apenas agalopado.

REDONDILHA

Antigamente, quadra de versos de sete sílabas, na qual rimava o primeiro com o quarto e o segundo com o terceiro, seguindo o esquema abba. Hoje, verso de cinco ou de sete sílabas, respectivamente redondilha menor e redondilha maior.

CARRETILHA

Literatura popular brasileira - Décima de redondilhas menores rimadas na mesma disposição da décima clássica; miudinha, parcela, parcela-de-dez.

MÉTRICA E RIMA

Métrica:

Arte que ensina os elementos necessários à feitura de versos medidos. Sistema de versificação particular a um poeta. Contagem das sílabas de um verso. Verso é a linguagem medida. Para medir devemos ajuntar as palavras em número prefixado de pés. Chama-se pé uma sílaba métrica. O verso português pode ter de duas a doze sílabas. Os mais comuns são os de seis, sete, oito, dez e doze pés. Como o verso mais comum, mais espontâneo é o de sete pés, comecemos nele a contagem métrica. Exemplo:

Minha terra tem palmeiras

Onde canta o sabiá

As aves que aqui gorjeiam

Não gorjeiam como lá.

Eis como se contam as sílabas:

Mi | nha | ter | ra |tem | pal | mei|

Não contamos a sílaba final "ras" porque o verso acaba no último acento tônico. O verso a quem sobra uma sílaba final chama-se grave. Aquele a quem sobram duas sílabas finais chama-se esdrúxulo. O terminado por palavra oxítona chama-se agudo, como o segundo e o quarto do exemplo supra. Eis como se decompõe o segundo verso:

On | de | can | ta o | sa | bi |á|

Nesse verso "ta o" se leem como t'o formando um pé, pela figura sinalefa (fusão). Sabiá, modernamente, se deve contar dissílabo, porque biá, em duas silabas, forma hiato. Em geral devemos sempre evitar o hiato, quer intraverbal, quer interverbal. Os autores antigos e os modernos pouco escrupulosos toleram muitos hiatos.

Sinalefa:

Figura pela qual se reúnem duas sílabas em uma só, por elisão, crase ou sinérese.

Sinérese:

Contração de duas sílabas em uma só, mas sem alteração de letras nem de sons, como por exemplo, em reu-nir, pie-da-de, em vez de re-u-nir, pi-e-da-de.

As| aves | que a| qui | gor| jei |

Não | gor | jei| am | co | mo | lá |

No caso o verso é um heptassílabo, porque só contamos sete sílabas. Se colocarmos uma sílaba a mais ou a menos em qualquer dos versos, fica dissonante e perde a beleza e harmonia.

Vale lembrar que quando a palavra seguinte inicia com vogal, dependendo do caso, pode haver a junção da sílaba da primeira com a segunda, como se faz na língua francesa. Exemplo:

Para verificar a quantidade de silabas podemos contar nos dedos. Vejamos neste trechinho de Patativa do Assaré:

Nes | ta | noi | te | pas | sa | gei | ra

1 2 3 4 5 6 7

Há | coi | sa | que | mui | to | pas | ma

1 2 3 4 5 6 7

Um mote:

Vou | fa | zer | se | re | na | ta | na | cal | ça | da

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Da | me | ni | na | que a | mei | na | mi | nha | vi | da

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Rima:

Rimas consoantes:

As que se conformam inteiramente no som desde a vogal ou ditongo do acento tônico até a última letra ou fonema. Exemplo: fecundo e mundo; amigo e contigo; doce e fosse; pálido e válido; moita e afoita.

Rimas toantes:

Aquelas em que só há identidade de sons nas vogais, a começar das vogais ou ditongos que levam o acento tônico, ou, algumas vezes, só nas vogais ou ditongos da sílaba tônica. Exemplo: fuso e veludo; cálida e lágrima; "Sem propósito de sonho / nem de alvoradas seguintes, / esquece teus olhos tontos / e teu coração tão triste." (Cecília Meireles, Obra Poética, p. 516.)

No caso da literatura de cordel nordestina, faz parte da tradição do gênero o uso de rimas consoantes. Se um folheto de cordel usa rimas toantes, o conhecedor de cordel pensa logo que o autor daquele folheto desconhece a existência destas regras. Um cordel escrito assim pode até ser um grande poema, mas não se pode dizer que se trata de "um cordel autêntico".