O acordeom do Vizinho -14-09-13
Para Eugênio Cerqueira
 
O som da sua sanfona
Fazia “zona” na minha cabeça
Entrava por uma das janelas
E os acordes eram um pedaço dela...
 
Vizinho, por favor, não se esqueça,
Tem um sozinho morando em cada bloco
As notas são como se fossem flocos
De neve no deserto das solidões!...
 
Às vezes agente gosta, noutras tem visões...
 
De repente você desliga tudo,
Acordeom, triângulo e zabumba.
Nem mesmo o meu criado mudo
Voltou a falar comigo. O que abunda
 
Mesmo é a solidão!... Vou ligar
Pra o Síndico pedindo providências
Ou você toca a noite inteira
Ou vou levantar bandeiras
Pra proibir minha inspiração!...
 
Nos poucos acordes que entraram
Por minha janela tem só as pernas
Dela deitada na minha cama...
Ficou faltando muito... Faltaram,
Por exemplo, o perfume, as coxas,
O cume*, a barriga e as costelas...
 E agora?... Quem me ilumia?!... E, sem ela,
Sou cego em meio à batalha.
 
Vou fechar minhas janelas
Nunca mais quero ouvi-lo.
Vou prender numa gaiola
O meu companheiro, um grilo!...
- Às vezes, irritante... Noutras, acompanhante!...-
 
Ou, por na minha vitrola
Pra tocar o seu disco inteiro
Mas, como sou caboclo,
Birrento, parada só, no coco.
 
Na primeira faixa
- “A Cézar o que é de Cézar...” (**)
E com caneta e o tinteiro
Desenhar no lençol branquinho
Por inteiro o corpo dela.
 
Depois desligo a vitrola
E abro todas as janelas
E, como fazia outrora,
Voltar a dormir com ela!...
 
Sozinhos!...
 
 
(*)...do monte de Vênus
(**) Faixa 1, do disco de Eugênio Cerqueira
(eugeniogcerqueira@gmail.com) “... e tome forró!”,
 “A Cézar o que é de Cézar...” autoria do Antonio José.