Primeiro filho chegando...



Formada, casada; estamos em 1971.
Consegui umas aulas como professora estadual, numa usina de cana de açúcar, à noite. Tive que optar; resolvi deixar as aulas da Escola Técnica, que era particular, para iniciar minha carreira como professora de escola pública.
Ia e voltava de perua, com outros professores, quase todas as noites.

Fiz amizade com a Vânia e com o marido dela, o Antero, que era comerciante como o meu marido. A Vânia era ótima pessoa, o marido era baiano e muito divertido. Saíamos juntos, os quatro, íamos a bailes, barzinhos.

Aos poucos nossa situação financeira ia melhorando: compramos a geladeira e a televisão; até arrumei uma empregada (nunca gostei do serviço doméstico!).
A vida corria mansamente.

No ano seguinte deixei as aulas da usina e assumi umas aulas de Francês num colégio que ficava perto de casa, no período da manhã.
O professor Gomes me aconselhava a fazer a Faculdade de Direito; dizia que o campo de trabalho era mais amplo.
Então nesse ano foi inaugurada a Faculdade de Direito de uma nova Universidade e eu resolvi prestar o vestibular. Fui uma das melhores classificadas e comecei a freqüentar o curso à noite.
A turma era enorme e algumas matérias eram muito interessantes.
Mas quando começou o estudo especifico de Direito Penal, Civil, e eu tive que me defrontar com aqueles enormes manuais, cheios de leis em escritas letras miúdas, ai, ai, ai! Não gostei nem um pouco!
Tudo muito árido e desinteressante: no início do segundo semestre abandonei o curso.

Estamos agora em agosto de 1972 e tudo corria bem demais para ser verdade! Meus sogros, cuja situação financeira nunca mais se estabilizara desde que tinham se mudado e deixado o posto de gasolina com os dois filhos, viram que agora a situação estava melhorando. Um belo dia apareceram em nossa casa, dizendo que iam ficar hospedados conosco para passarem uma temporada, “até alugarem uma casa”, segundo meu marido.

Pronto, acabou o meu sossego!...
Eles se instalaram de mala e cuia no quarto extra, ao lado do nosso.
No início até que não achei tão ruim; afinal eu não tinha tido nunca uma mãe de verdade, quem sabe não ia ser bom ter uma mãe por perto...
Quanta ingenuidade! Doce ilusão e quanta desilusão!

Não sabia explicar muito bem a razão (hoje sei muito bem que essa aversão vinha de um passado distante), mas eu me sentia muito mal só com a presença deles, principalmente dela, a sogra: não tínhamos nada em comum; ela era cheia de saber tudo, de ser a dona da verdade e se expressava usando chavões e frases feitas para todas as situações. Era durona, materialista, só se importava com dinheiro, não tinha nenhuma religião, gostava de jogar cartas, fumar e tomar uns drinques!

Minha casa foi ficando sufocante, insuportável.
Eu perguntava ao meu marido até quando eles iam ficar; ele me dizia para ter paciência, que assim que fosse possível eles alugariam uma casa.
Mas quando isso seria possível? Eles não tinham nenhuma renda, meu sogro estava com problemas na visão, mal podia dirigir e sua profissão era vendedor; ela nunca tinha trabalhado fora; como eles poderiam alugar uma casa?

Os meses foram passando e eles não falavam em ir embora.
Em outubro, surpresa! Engravidei! Eu tinha parado de tomar as pílulas, achava que era hora de ter um filho, mas as circunstâncias não eram as melhores, com meus sogros morando conosco!

E então as coisas ficaram piores: enjoei do cheiro de cigarro e não podia nem sentir o cheiro de café que tinha ânsias de vomito; eles fumavam e tomavam café o tempo todo! Eu ficava nervosa; não conseguia nem mais falar com minha sogra; andava desgostosa pelos cantos em minha própria casa!

Terminou o ano, minha barriga crescendo, eu comprando o enxovalzinho, querendo arrumar o quarto do nenê e nada de eles se tocarem que tinham que ir embora.
Um dia não agüentei mais e coloquei meu marido na parede:
-Afinal, o nenê vai nascer e onde vamos colocá-lo?
-Deixe que ele fique no nosso quarto...

Fiquei possessa!
Os homens são assim mesmo, eles não se tocam sobre as necessidades femininas e ele se sentia entre a cruz e a espada, pois também não sabia o que fazer com os pais.

Nesse dia tive uma crise de choro e desabafei; abri o jogo com a minha sogra e falei que o nenê ia nascer e não era mais possível que eles morassem conosco.

Alguns dias se passaram, até que finalmente eles, com ar de vitimas injustiçadas, saíram da nossa casa levando suas malas.
Depois eu soube que foram para a casa de uma irmã de minha sogra que morava em São Paulo. Meu sogro precisava operar a catarata e conseguiu com o cunhado que era diretor de um hospital.
O Mauro não se manifestou nem a favor nem contra; na verdade ele estava em uma situação bem difícil de tomar partido.

Suspirei aliviada. Ficava uma ponta de remorso: será que eu tinha agido mal?
Mas senti que, no caso, era uma questão de sobrevivência: se eles ficassem, eu enlouqueceria...

           continua...                   


Malu Thana Moraes
Enviado por Malu Thana Moraes em 27/08/2009
Reeditado em 01/11/2009
Código do texto: T1778112
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.