O Casório


Ah, a Faculdade de Letras! Que tempo bom! Quantas amizades! Interessante que eu era amiga de todos, mas na verdade não me aprofundava muito: sempre fui assim, borboleteando de turminha em turminha.

Uma parte eu nunca curti: a boemia, as festas.
Fugia delas, não ia, tinha namorado...
Só fiz uma viagem para Brasília, que tinha sido recém inaugurada; novinha em folha, com muitos prédios ainda em construção.
Foi uma delicia, fomos de ônibus, a turma toda. Levei comigo uma prima do Mauro. Ficamos hospedados num alojamento estudantil.
À noite, eu não quis sair; a turma toda foi para as boates; eu fui dormir cedo.
Todo mundo estranhou, aquilo não era normal nem naquela época!
Mas não era sacrifício, eu realmente não tinha vontade de ir a boates, lugares escuros, musica alta...
Não sei bem porque, mas nunca me senti muito bem na vida noturna; sentia sono, queria dormir.

Naquela época comecei a fumar: aprendi na faculdade, era moda! O Mauro também fumava.
Já beber, nunca tive a menor vontade; drogas, então, nunca chegaram nem perto, não faziam parte do meu universo.

Nesse ano minha família mudou de casa novamente; a nova casa não era distante do centro da cidade, havia um riozinho que passava perto; hoje está canalizado.
O Mauro era muito ativo, prestativo, sempre pronto a ajudar; fez a mudança com um caminhãozinho que ele tinha na época.

Ele era animado, gostava de viagens, bailes, passeios, Levou-me para conhecer o mar, ficamos hospedados numa casinha que o pai dele tinha em Caraguatatuba. Foi uma viagem inesquecível: as montanhas, a estrada cheia de curvas, e depois aquelas praias maravilhosas.
Levamos a tia Leonora junto, não se usava solteiros viajarem sozinhos...
Na primeira noite eu não conseguia dormir ouvindo as ondas baterem forte na praia de Massaguaçu.

Foi com ele que eu comecei a freqüentar o clube à noite, ir aos bailes, conhecer pessoas novas.
Eu me sentia protegida; ele me dava segurança numa área da minha vida muito insegura: a parte social.

Minha mãe não estava nada bem, tinha que ser internada novamente.
O Mauro ajudou; meu pai não queria mais tomar essa iniciativa: ele sofria com as internações, porque ela não aceitava e ficava muito revoltada com ele.
Dessa vez o Mauro conversou com ela e ela aceitou!
Fomos nós dois levá-la para o hospital psiquiátrico em Itapira.
O lugar era bonito, ela ficou bem instalada.
Dessa vez, para mim é que foi muito penoso. Eu comecei a sentir, principalmente à noite, muita angústia e sofria por ela estar lá, pela sua situação.
Foi a primeira vez que senti essa angústia; depois infelizmente essa dor voltou muitas outras vezes em minha vida.

Nessas alturas, a minha irmã Marli já tinha dois filhinhos; meu cunhado foi transferido para São Paulo, compraram um apartamento num bairro distante e lá se foram.
Ela passava seus apuros na vida conjugal, mas também não se abria com a família.

Meus irmãos já estavam crescidos.
O irmão caçula tinha uns onze anos, era gordinho, pele clara, bonito, risonho, soltava pipas, andava de bicicleta. Era muito apegado à minha mãe; até bem grandinho às vezes ainda ia dormir com ela na cama de casal.
O Alcindo Junior já estava com uns quinze anos, era um menino magro, alto como meu pai; ainda tinha crises de bronquite e usava uma “bombinha” para facilitar a respiração. Ele adorava colecionar selos, tampinhas, maços de cigarros vazios, figurinhas, tudo. Era muito ordeiro e inteligente.

Eu namorava no terracinho; essa casa não tinha nenhuma escadinha...
O Mauro era fogoso, começamos a ter intimidades.
Naquele tempo não havia motéis, saíamos para passear de carro; eu tinha medo de ficar grávida, ainda não tomava pílula.
Brigávamos de vez em quando, quando ele bebia em bailes ou no carnaval; mas habitualmente ele não bebia e era muito trabalhador.

Então eu decidi que era hora de casar: ele alugou uma casinha na mesma rua do posto de gasolina.
Era uma casinha geminada, comprida e estreita. Tinha um jardinzinho, a famosa escadinha de três degraus encerados, o terracinho, a sala, a copa-cozinha, corredor, banheiro, dois quartos. Havia um pequeno quintal cujo acesso era por um corredorzinho que saía da cozinha.

Engraçado como eu me sentia como que “empurrada” pelo destino.
Parece que eu tinha que casar com aquele rapaz de qualquer maneira e então era melhor aceitar as condições que ele tinha para me oferecer.

Um dia apareceu no posto de gasolina um rapaz com um caminhão carregado de móveis; ele contou que tinha desmanchado seu noivado e que estava vendendo aqueles móveis, sem uso. Estava barato, era pegar ou largar porque ele estava de passagem e já ia embora. O Mauro comprou tudo sem me consultar, pois não ia dar tempo. Era um jogo de quarto, com cama de casal, guarda roupas, penteadeira; um jogo de sofá com duas poltronas, um fogão, uma mesa de fórmica com quatro cadeiras e um pequeno bufê.

Essa foi a mobília da nossa casinha: tudo muito simples, mas ideal para nós que estávamos começando a vida.
Casamos no dia 15 de fevereiro de 1970, num sábado, as onze da manhã, na Igreja de Santa Cruz.
O vestido eu comprei pronto numa loja de noivas; alugamos um salão e fizemos um churrasco para os parentes e amigos mais chegados.

Os meus sogros, que ainda estavam morando fora, passavam por uma situação financeira difícil; meu pai fez a festinha e eu mesma comprei meu enxoval, com o salário que ganhava na Escola Técnica.

Lembro-me da cerimônia religiosa: o noivo trabalhou no posto de gasolina até quase a hora de ir para a igreja, chegou atrasado, teve que entrar correndo pelos fundos porque a noiva já estava na porta pronta para entrar...

Depois fomos para o churrasco, os parentes, o bolo, o buquê atirado, tudo como manda o figurino.

Foi como um sonho, tudo meio nebulosos; era como se eu não estivesse vivendo aquilo de verdade e sim fosse um filme, uma encenação...
continua...                       
Malu Thana Moraes
Enviado por Malu Thana Moraes em 25/08/2009
Reeditado em 27/10/2009
Código do texto: T1774138
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