Quanta Novidade!
Nova mudança de casa!
Graças a Deus a casa velha foi vendida e tivemos que sair; estava quase em ruínas. Fomos para uma casa bem menor, quase sem quintal.
A casa não tinha jardim; as janelas davam diretamente para a rua.
Tinha um terracinho, uma escadinha de três degraus que desta vez eram arredondados, uma graça.
Eu já era uma moça, mas mesmo assim curtia a escadinha esparramando nela meus livros e discos.
Havia dois quartos na frente, cujas janelas davam para a rua; em seguida a sala, depois a copa, a cozinha e o banheiro.
Tudo mais moderno, mais claro, mais limpo.
Uma escada dava para o quintal, todo calçado. Nada de terra, árvores, nem coisas velhas e quebradas.
Minha mãe, coitada, nessa casa parece que tomou novo alento.
Começou a cuidar de tudo, lavava a roupa, não quis empregada. Até as compras ela saía para fazer, com uma sacola pesada.
Ninguém reconhecia a sua melhora; eu, egoísta como todos os jovens, não queria saber de ajudá-la; os meninos viviam brincando na rua; ninguém ajudava com nada e ela não solicitava.
Era a época das “brincadeiras dançantes”: os jovens se reuniam na casa de um colega e dançavam ao som da vitrola ouvindo os discos da moda.
Era muito rock, a jovem guarda estava começando com o Roberto Carlos e para dançar agarradinho era o Ray Connif.
A televisão já tinha aparecido lá em casa, em preto e branco; o que estava no auge eram os festivais de música e a Jovem Guarda na TV Record.
Comecei a namorar o Eduardo. Ela era bonitinho, loiro, tinha lábios carnudos... Tocava violão, cantava. Mas também não era para menos: ele era neto de um grande músico.
Às vezes eu acordava de madrugada com uma serenata na minha janela; abria a janela e o parapeito estava cheio de flores perfumadas...
Mas logo em seguida ele tinha que sair correndo porque meu pai abria a outra janela e começava a ter acessos de tosse!
Foi um namoro suave e romântico.
Eu tinha também ali uma amiga e confidente: a Marilene.
Ela era uma artista: desenhava, pintava, escrevia versos. Era minha colega de classe no curso normal.
Havia muitas outras colegas: a Maria Helena, a Sonia e tantas outras cujos rostos eu lembro, mas os nomes desaparecem de minha memória.
Eu gostava da escola, tirava só boas notas.
Fazíamos uma cartilha toda ilustrada e colorida, como exercício para aprender a alfabetizar.
Mas isso na verdade não aprendi; só fui aprender na prática, quando tive a minha primeira turma de alunos, numa Escola de Emergência do Bairro do Barreiro...
Mas isso foi depois.
Nessa época era só estudar (pouco), namorar, dançar.
No final do terceiro ano comecei a freqüentar novamente a piscina do clube, coisa que eu não fazia há muito tempo.
Ia com a Lili; usávamos uns maiôs graciosos, xadrezinhos, com babados de bordado inglês. Na frente era um maiô inteiro, por trás eram duas peças; chamavam-se “engana mamãe”.
Eu já tinha colocado lentes de contato que tinham aparecido há pouco tempo. Estava bonita, bem feita de corpo, longos cabelos castanhos.
Então apareceu um rapaz charmoso, bonitão.
Eu estava no clube, sentada no banco ao lado da piscina, escutando meu radinho (sempre gostei de rádio, naquela época não tinha mp3,celular, fone de ouvido,nada disso; esse radinho eu ganhara desmontado no Natal e eu mesma tinha montado; não funcionava lá muito bem...) quando ele se aproximou, puxou conversa:
-Posso escutar um pouco seu radinho?
Sorri para ele:
-Pode sim; só que esse rádio é temperamental, só funciona quando quer...
-De onde você surgiu? Como é que eu não te conheço? Onde você estava escondida?
Ele parecia encantado comigo. Era bem falante, tinha presença. Mergulhava do trampolim mais alto, se exibindo. Eu também fiquei impressionada com ele.
Ele foi se aproximando aos poucos, ficava me esperando na saída da piscina, me acompanhava até perto da minha casa. Foi me envolvendo e eu fui me deixando envolver.
Não sei explicar muito bem, mas eu sentia algo estranho: era como se ele fosse conhecido, como se fizesse parte de algo inexorável, que teria que acontecer na minha vida, que não adiantaria eu lutar contra, que era assim que tinha que ser. O que eu sentia por ele não era um amor entusiasmado ou apaixonado; era como um destino que tinha que se cumprir.
Naquele fim de ano foi minha formatura do curso normal e eu fui, para variar, a oradora da turma.
Mandei fazer um vestido cor de rosa todo plissado e entrei no baile de braço dado com meu pai, todo orgulhoso pela formatura da filha.
E quem apareceu no baile? O tal rapaz; chamava-se Mauro e dançava muito bem!
Naquele verão começamos a namorar; ele ia me buscar em casa, saíamos a pé.
Comecei a fazer um curso de especialização em pré-escola no Instituto de Educação. E à noite comecei um curso de secretariado que havia no SENAC.
Era muito gostoso; estudava de manhã e à noite; eu gostava de estudar.
Já havia em nossa cidade a Universidade Estadual com vários cursos, entre eles o curso de Letras, mas eu nem sonhava em ir para a Universidade; não me sentia preparada: não tinha feito o clássico e nem tinha estudado uma língua estrangeira.
Aos poucos o Mauro foi se insinuando em minha vida; ia me buscar na saída da escola tanto de manhã como à noite, começou a entrar no terraço de casa; apresentei-o para meu pai, que não falava nada.
Ele me incentivou a prestar o vestibular:
-Você pode sim, porque não tenta?
Ele me via com admiração, me achava inteligente, coisa que eu não enxergava em mim.
Comecei a estudar para o exame vestibular do curso de Letras e resolvi fazer a opção por Português e Francês, como a tia Leonora e também porque achei mais fácil do que o Inglês que era a outra opção. Ela me emprestou vários livros e eu estudava sozinha, como sempre.
E, para minha surpresa e de todos (menos do Mauro), passei! Não tinha feito cursinho, aula particular, nada. Nunca tinha estudado Francês, a não ser no ginásio nas aulas da professora Lilica.
Que maravilha!
A Faculdade de Letras era muito conceituada e nela lecionavam professores famosos, todos doutores com livros publicados. Funcionava em frente ao cinema, num prédio antigo onde hoje é a Casa da Cultura.
Aquilo tudo me assustava: como é que eu, saída lá do meu esconderijo, ia enfrentar esses professores todos e essas matérias tão difíceis?
E para complicar ainda mais, eu tinha me inscrito na Delegacia de Ensino Estadual para lecionar e me convocaram para assumir uma classe no tal Bairro do Barreiro. Eu tinha que pegar um ônibus que saia às seis da manhã, descer na estrada, andar um quilometro numa estrada de terra no meio de um canavial e então chegar à tal escolinha!
Era bucólico!
Uma casinha no meio do pasto; tinha uma sala de aula e um banheiro.
No fundo passava um fio d’água, um riachinho com peixinhos minúsculos.
Eu achava aquilo tudo encantador, mas, meu Deus do céu, como ensinar aquelas crianças? Eram umas vinte e cinco, mas de três series misturadas: primeiro, segundo e terceiro anos, todas juntas na mesma sala! Eu teria que alfabetizar onze crianças!
E consegui!
Não me perguntem como; elas aprenderam a ler e escrever!
Eu levava um lanche; na hora do almoço pegava o ônibus na estrada, ia para casa, almoçava e às duas da tarde, tome faculdade!
Gente, foi dose pra leão! Tudo novidade, e dois extremos: de manhã, as letrinhas das crianças e à tarde, as Letras dos Notáveis da Literatura!
Era demais para a minha cabeça!
continua....
Nova mudança de casa!
Graças a Deus a casa velha foi vendida e tivemos que sair; estava quase em ruínas. Fomos para uma casa bem menor, quase sem quintal.
A casa não tinha jardim; as janelas davam diretamente para a rua.
Tinha um terracinho, uma escadinha de três degraus que desta vez eram arredondados, uma graça.
Eu já era uma moça, mas mesmo assim curtia a escadinha esparramando nela meus livros e discos.
Havia dois quartos na frente, cujas janelas davam para a rua; em seguida a sala, depois a copa, a cozinha e o banheiro.
Tudo mais moderno, mais claro, mais limpo.
Uma escada dava para o quintal, todo calçado. Nada de terra, árvores, nem coisas velhas e quebradas.
Minha mãe, coitada, nessa casa parece que tomou novo alento.
Começou a cuidar de tudo, lavava a roupa, não quis empregada. Até as compras ela saía para fazer, com uma sacola pesada.
Ninguém reconhecia a sua melhora; eu, egoísta como todos os jovens, não queria saber de ajudá-la; os meninos viviam brincando na rua; ninguém ajudava com nada e ela não solicitava.
Era a época das “brincadeiras dançantes”: os jovens se reuniam na casa de um colega e dançavam ao som da vitrola ouvindo os discos da moda.
Era muito rock, a jovem guarda estava começando com o Roberto Carlos e para dançar agarradinho era o Ray Connif.
A televisão já tinha aparecido lá em casa, em preto e branco; o que estava no auge eram os festivais de música e a Jovem Guarda na TV Record.
Comecei a namorar o Eduardo. Ela era bonitinho, loiro, tinha lábios carnudos... Tocava violão, cantava. Mas também não era para menos: ele era neto de um grande músico.
Às vezes eu acordava de madrugada com uma serenata na minha janela; abria a janela e o parapeito estava cheio de flores perfumadas...
Mas logo em seguida ele tinha que sair correndo porque meu pai abria a outra janela e começava a ter acessos de tosse!
Foi um namoro suave e romântico.
Eu tinha também ali uma amiga e confidente: a Marilene.
Ela era uma artista: desenhava, pintava, escrevia versos. Era minha colega de classe no curso normal.
Havia muitas outras colegas: a Maria Helena, a Sonia e tantas outras cujos rostos eu lembro, mas os nomes desaparecem de minha memória.
Eu gostava da escola, tirava só boas notas.
Fazíamos uma cartilha toda ilustrada e colorida, como exercício para aprender a alfabetizar.
Mas isso na verdade não aprendi; só fui aprender na prática, quando tive a minha primeira turma de alunos, numa Escola de Emergência do Bairro do Barreiro...
Mas isso foi depois.
Nessa época era só estudar (pouco), namorar, dançar.
No final do terceiro ano comecei a freqüentar novamente a piscina do clube, coisa que eu não fazia há muito tempo.
Ia com a Lili; usávamos uns maiôs graciosos, xadrezinhos, com babados de bordado inglês. Na frente era um maiô inteiro, por trás eram duas peças; chamavam-se “engana mamãe”.
Eu já tinha colocado lentes de contato que tinham aparecido há pouco tempo. Estava bonita, bem feita de corpo, longos cabelos castanhos.
Então apareceu um rapaz charmoso, bonitão.
Eu estava no clube, sentada no banco ao lado da piscina, escutando meu radinho (sempre gostei de rádio, naquela época não tinha mp3,celular, fone de ouvido,nada disso; esse radinho eu ganhara desmontado no Natal e eu mesma tinha montado; não funcionava lá muito bem...) quando ele se aproximou, puxou conversa:
-Posso escutar um pouco seu radinho?
Sorri para ele:
-Pode sim; só que esse rádio é temperamental, só funciona quando quer...
-De onde você surgiu? Como é que eu não te conheço? Onde você estava escondida?
Ele parecia encantado comigo. Era bem falante, tinha presença. Mergulhava do trampolim mais alto, se exibindo. Eu também fiquei impressionada com ele.
Ele foi se aproximando aos poucos, ficava me esperando na saída da piscina, me acompanhava até perto da minha casa. Foi me envolvendo e eu fui me deixando envolver.
Não sei explicar muito bem, mas eu sentia algo estranho: era como se ele fosse conhecido, como se fizesse parte de algo inexorável, que teria que acontecer na minha vida, que não adiantaria eu lutar contra, que era assim que tinha que ser. O que eu sentia por ele não era um amor entusiasmado ou apaixonado; era como um destino que tinha que se cumprir.
Naquele fim de ano foi minha formatura do curso normal e eu fui, para variar, a oradora da turma.
Mandei fazer um vestido cor de rosa todo plissado e entrei no baile de braço dado com meu pai, todo orgulhoso pela formatura da filha.
E quem apareceu no baile? O tal rapaz; chamava-se Mauro e dançava muito bem!
Naquele verão começamos a namorar; ele ia me buscar em casa, saíamos a pé.
Comecei a fazer um curso de especialização em pré-escola no Instituto de Educação. E à noite comecei um curso de secretariado que havia no SENAC.
Era muito gostoso; estudava de manhã e à noite; eu gostava de estudar.
Já havia em nossa cidade a Universidade Estadual com vários cursos, entre eles o curso de Letras, mas eu nem sonhava em ir para a Universidade; não me sentia preparada: não tinha feito o clássico e nem tinha estudado uma língua estrangeira.
Aos poucos o Mauro foi se insinuando em minha vida; ia me buscar na saída da escola tanto de manhã como à noite, começou a entrar no terraço de casa; apresentei-o para meu pai, que não falava nada.
Ele me incentivou a prestar o vestibular:
-Você pode sim, porque não tenta?
Ele me via com admiração, me achava inteligente, coisa que eu não enxergava em mim.
Comecei a estudar para o exame vestibular do curso de Letras e resolvi fazer a opção por Português e Francês, como a tia Leonora e também porque achei mais fácil do que o Inglês que era a outra opção. Ela me emprestou vários livros e eu estudava sozinha, como sempre.
E, para minha surpresa e de todos (menos do Mauro), passei! Não tinha feito cursinho, aula particular, nada. Nunca tinha estudado Francês, a não ser no ginásio nas aulas da professora Lilica.
Que maravilha!
A Faculdade de Letras era muito conceituada e nela lecionavam professores famosos, todos doutores com livros publicados. Funcionava em frente ao cinema, num prédio antigo onde hoje é a Casa da Cultura.
Aquilo tudo me assustava: como é que eu, saída lá do meu esconderijo, ia enfrentar esses professores todos e essas matérias tão difíceis?
E para complicar ainda mais, eu tinha me inscrito na Delegacia de Ensino Estadual para lecionar e me convocaram para assumir uma classe no tal Bairro do Barreiro. Eu tinha que pegar um ônibus que saia às seis da manhã, descer na estrada, andar um quilometro numa estrada de terra no meio de um canavial e então chegar à tal escolinha!
Era bucólico!
Uma casinha no meio do pasto; tinha uma sala de aula e um banheiro.
No fundo passava um fio d’água, um riachinho com peixinhos minúsculos.
Eu achava aquilo tudo encantador, mas, meu Deus do céu, como ensinar aquelas crianças? Eram umas vinte e cinco, mas de três series misturadas: primeiro, segundo e terceiro anos, todas juntas na mesma sala! Eu teria que alfabetizar onze crianças!
E consegui!
Não me perguntem como; elas aprenderam a ler e escrever!
Eu levava um lanche; na hora do almoço pegava o ônibus na estrada, ia para casa, almoçava e às duas da tarde, tome faculdade!
Gente, foi dose pra leão! Tudo novidade, e dois extremos: de manhã, as letrinhas das crianças e à tarde, as Letras dos Notáveis da Literatura!
Era demais para a minha cabeça!
continua....