Ana Luz E O Recém-Chegado
Ana Luz E O Recém-chegado
A notícia chegou aos ouvidos de Ana Luz como um redemoinho.
Dentro de poucos dias, um novo ser passaria a habitar a sua casa e não seria apenas por alguns dias, mas, para sempre.
“Será que o meu pai, a minha mãe, o Farolete e eu não somos suficientes para morar nesta casa? Será que ela, realmente, precisa de mais alguém?” – perguntava-se a menina, em pensamento.
Os pais de Ana Luz tomaram todos os cuidados possíveis na hora de lhe contarem a novidade. A tristeza da menina, no entanto, foi inevitável.
Um sentimento estranho, acompanhado por uma dor incômoda, começou a se instalar no coração de Ana Luz.
A menina começou a imaginar que seus pais não a amavam mais. Afinal, segundo ela, se eles a amassem de verdade, não teriam procurado outra criança para ocupar o seu lugar.
O raciocínio de Ana Luz estava bem distante da verdade. Seus pais não haviam deixado de amá-la e jamais pretenderam ocupar o seu lugar. O que eles queriam, na realidade, era presenteá-la com a companhia de alguém ao lado de quem ela pudesse descobrir, exercitar e aprender a maravilhosa arte de ser irmã. Arte que ela ainda não conhecia, pois tinha sido, até aquele momento, a única filha de Dona Clarice e Seu Lúcio. Arte a que os adultos dão o pomposo nome de “Fraternidade”.
Como já foi dito antes, os pais de Ana Luz não haviam conseguido evitar que a menina se sentisse triste ao saber que ganharia da vida um irmãozinho.
A notícia havia operado profundas mudanças no comportamento de Ana Luz.
A menina, de cujo rosto o sorriso raramente se ausentava, havia se tornado cabisbaixa.
Ana Luz não chorava, mas se deixava observar resmungando pelos cantos.
Os passeios semanais com o Farolete; as conversas com o avô Clarêncio; as histórias do tio Clarindo; os bombons com recheio de avelã da mercearia de Seu Rosalino; as balinhas de gengibre da farmácia do Dito; todas as coisas de que ela gostava haviam perdido a graça e o gosto que tinham anteriormente.
Em princípio, Dona Clarice e Seu Lúcio não se preocuparam muito com as reações da filha a então recém-contada novidade. Para eles, era certo que, passado algum tempo, ela acabaria se acostumando com a nova realidade que a esperava e aceitando, com naturalidade, a chegada e a conseqüente companhia do irmão. Porém, o que aconteceu de fato não foi isso.
Ao contrário do que poderiam imaginar os pais de Ana Luz, com o passar do tempo, a menina, além de triste, foi ficando agressiva.
Contrariando a natureza meiga que sempre teve, Ana Luz começou a responder mal aos seus pais e à sua professora. Seu desempenho escolar modificou-se radicalmente. Seus amigos e colegas não mais a reconheciam. E até mesmo o pobre do Farolete passou a ser alvo de maus tratos por parte daquela que, até bem pouco tempo atrás, o tratava com desmedido carinho.
Tantas e tão profundas foram as mudanças vistas e sentidas no comportamento de Ana Luz que aos pais da menina não restou outra saída que não fosse a de chamá-la para uma longa conversa em família.
A conversa aconteceu num sábado, assim que Ana Luz voltou de seu tradicional passeio com o Farolete.
Dona Clarice e Seu Lúcio fitaram demoradamente a fechada face da filha e, após um instante de silêncio, a mãe da menina, com voz enérgica, lançou-lhe a seguinte pergunta:
“O que é que está acontecendo com você, Ana Luz?”
“Comigo? Não está acontecendo nada!” – respondeu Ana Luz, com voz de indiferença.
“Se não há mesmo nada acontecendo com você, por que é que você está agindo assim? Me diga!” – insistiu Dona Clarice.
“Assim como, mamãe!” – questionou Ana Luz.
“Assim, como se estivesse de mal do mundo!” – afirmou Dona Clarice.
“Eu não estou de mal do mundo! Só acho que vocês estão sendo muito ingratos comigo! Até bem pouco tempo atrás, eu era amada por vocês! Eu era importante para vocês! Mas, de repente, vocês têm uma ideia! Decidem botar outra criança no meu lugar e ainda exigem que eu encare isso numa boa! Me desculpem! Eu não consigo! Eu sempre amei vocês, sempre respeitei vocês e sempre fui obediente a vocês! Fiz de tudo para ser uma boa menina, uma boa filha para vocês! E agora vocês vêm e fazem isso comigo! Eu não mereço isso! Não mereço!” – falou Ana Luz, com o rosto banhado em lágrimas e a voz entrecortada por soluços.
O choro da menina calou Dona Clarice. No entanto, a conversa continuou. Desta vez, entre Ana Luz e seu pai.
Seu Lúcio envolveu a filha num forte e longo abraço. Depois, buscando acalmá-la, disse-lhe as seguintes palavras:
“Então é isso o que tem roubado o seu sorriso, minha filha? A impressão de que não é mais amada por nós? Se é, esqueça! Nós nunca deixaremos de te amar! Você é a nossa primeira filha! É uma grande bênção em nossa vida!
Sua mãe e eu já éramos casados há cinco anos. E não tínhamos filhos ainda. Até que você surgiu.
Nós tínhamos muito Amor guardado em nossos corações. E procurávamos alguém a quem pudéssemos oferecê-lo.
Você era uma menina que precisava de muito Amor. E nós decidimos te adotar.
Nós te demos o nosso Amor de pais. Você nos deu o seu Amor de filha. E fomos todos muito felizes. E ainda somos todos muito felizes.
Nós te damos todo o Amor que podemos dar. Mas ainda existe muito Amor guardado em nossos corações. E ainda existem muitas crianças que precisam de Amor.
É por isso que nós decidimos adotar outra criança. Um menino, desta vez.
Você já conhece o Amor de filha, o Amor de neta, o Amor de sobrinha, o Amor de amiga e até esse Amor que você oferece ao Farolete. Agora, está na hora de você conhecer um outro tipo de Amor, o Amor de irmã. Entendeu, minha filha?”
“Entendi. – respondeu a menina, com voz de alívio.
As palavras de Seu Lúcio confortaram bastante o coração de Ana Luz, que voltou, enfim, a sorrir.
A menina pediu a seus pais que lhe permitissem escolher o nome do irmão. Eles permitiram, com a ressalva de que não poderia ser um nome muito estranho.
Ana Luz começou a pensar no nome que daria ao seu irmãozinho que estava para chegar.
Tinha de ser, segundo ela, um nome que tivesse algo a ver com luz ou com claridade. Afinal, sendo filha de Clarice e Lúcio, sobrinha de Clarindo e Clarita, neta de Luzia e Clarêncio e dona de um cachorrinho chamado Farolete, nomes luminosos já se haviam tornado uma tradição em sua família.
Ana Luz não demorou muito para escolher o nome que seu irmãozinho teria. Todavia, resolveu que manteria escondida a sua escolha e que só a revelaria a seus pais quando o irmãozinho chegasse.
Assim que o menino chegou, Ana Luz, fielmente acompanhada pelo inseparável companheiro Farolete, correu para recebê-lo.
Seu sorriso e sua voz disseram:
“Bom dia, Luciano! Seja muito bem-vindo ao nosso lar! E fique tranqüilo! Porque Amor, aqui, jamais vai lhe faltar!”
Uma explosão de alegria tomou conta da casa e do coração de Ana Luz, que aprendeu sentindo o significado de uma nova palavra.
“Fraternidade”: A Arte de ser irmã.
Hebane Lucácius