A GREVE DOS SAPOS

A GREVE DOS SAPOS

A chuva caiu por algum tempo, e assim que terminou ainda envolta ao som dos trovões e iluminada pelos relâmpagos foi mudando a paisagem do lugar. A água corria por entre os rios e os lagos se enchiam e se transbordavam. A festa da natureza era total ou quase total, mas o que havia, o que estavam faltando no cenário? As árvores respingavam no chão água do banho de suas folhas, enquanto que os pássaros voavam em bandos em uma fantástica alegria. Alguns animais pulavam, outros corriam e todos festejavam alegremente a chegada da nova estação. Tudo estava perfeito se não fosse a falta da sinfonia que nessa época se ouvia.

E assim, sem muito entender o que acontecia, o lago perguntava ao rio, o rio perguntava as pedras, as pedras as árvores e as árvores aos pássaros, onde estão os sapos cantores? Onde está a melodia que há séculos e séculos anima a terra com seus coaxares.

E nesse questionamento ninguém dava noticia do sapo João, do sapo José, do sapo Severino, da sapa Maria, dos sapos da Silva, dos sapinhos, das saponas, dos sapões.

E foi dessa forma que o Rio questionou:

-Amigo lago cadê os cantores?

Sem saber o que dizer e tomado pela mesma curiosidade o lago responde:

- Amigo rio acabei de perguntar a dona árvore e ela também não sabe.

-Que estranho amigo lago, sinto uma falta enorme deles me fazendo massagem ao nadarem em meu leito. E a música? Ou como queria ouvir e me deixar acalmar embalado por seus tons e semitons expresso nos seus coaxares.

Enquanto rio e lago conversavam eis que chega o pato Ramon e senta embaixo da árvore e logo vai dizendo:

- Sem eles num tem muita graça nadar nesse rio nem no lago.

E o rio pergunta:

- nobre amigo pato cadê os nossos amigos sapos? Enchemo-nos da mais pura água só pra os poder ouvir?

E o pato responde:

-Amigo rio, amigo lago, infelizmente os sapos estão em greve e por tempo indeterminado.

O lago ondula mais forte e em seguida pergunta:

- como assim de greve?

O pato sentado com os pés dentro d’água deita a cabeça sobre as asas olhando para o céu e diz:

- Injustiça!!!

- Injustiça?

- Sim injustiça.

- Caro amigo pato seja mais preciso e nos explique melhor o que está acontecendo.

- Bem o que sei é pouco e foi o coelho que contou a ovelha, E disse que o camaleão tinha ouvido do sabiá que escutou da abelha que soube pela boca da coruja que os sapos entraram em greve devido um animal violento, destruidor e sem espírito de comunhão que surgiu no planeta.

-Animal?

- Sim um animal que é rei

-Ah! Sim, você está falando do leão!

-Não, não, não, esse animal não tem urro, nem calda, nem garra.

- Pois já estou é com medo confessou a árvore toda tremendo que derrubava algumas folhas.

- E tenha, porque eles não têm limites e consomem tudo que avistam, secam rio, lago, destroem até as pedras.

- Até eu? Indagou a pedra meio pálida de medo.

-Sim senhora, com você eles quebram e fazem suas estradas, moradas e quase todas as suas construções.

-E comigo perguntou a árvore totalmente apavorada.

-Com você eles são muito malvados te cortam pelo tronco para fazer lenha, quando não a queimam para fazer carvão ou a usam para fazerem seus moveis.

-Aff, que animal malvado, disse quase que se engasgando a árvore.

-Malvado? A malvadeza grande é com os sapos, esses sim sofrem mais do que todos nós, porque até temos alguma utilidade e a maldade que fazem conosco algumas vezes tentam justificarem dizendo que é por necessidade, mas com os sapos não, é apenas por pura insensatez e maldade.

-Já estou com medo amigo pato, disse o lago.

-Relaxe, você pode afoga-los se proteger, mas infelismento os sapos não podem se defenderem.

Nisso vai passando sem muita pressa o sapo Quirino com umas pastas na mão. Ao ver o sapo o rio fala como se não soubesse do que estava acontecendo: nobre amigo porque não vinhetes fazer festa comigo junto com os teus irmãos?

O sapo ajeitou os óculos fogou a gravata e olhando para o rio disse:

- Amigo rio que saudade de tuas correntezas, do frescor, da pureza de tuas águas. Infelizmente decretamos greve mundial e suspendemos todas as atividades sapais pelos cincos continentes já que na Antártida a coisa ta fria.

-Amigo sapo!!! Mas o que aconteceu de tão grave para chegarem a tal decisão? Falou tristonha árvore.

- Amigos e amigas, nossa situação nesse planeta está muito difícil, temos sofrido as piores agressões das espécies vivas nesse planeta. Sempre fomos uma espécie de paz e a paz sempre cultuamos e cultivamos. Desde nossos sapataravós que sempre fomos gentis e românticos. Mas, à medida que a espécie humana apareceu temos sofrido os piores castigos de toda a nossa existência.

Ah!!! Então o animal violento é o homem? Perguntou a pedra.

E o pato fez apenas o sinal de legal confirmando que era.

E o sapo continuou o discurso.

-Desde que essa espécie civilizou-se que temos sofrido em suas mãos. Aprisionaram-nos e nos trancafiaram em laboratórios e usaram nossos corpos para suas mais horríveis experiências como se não sentíssemos dor. Mas o pior é que nunca falamos nada, nada e mesmo assim em seus rituais cozem nossa boca. Poluem os rios e os lagos, nossos amigos e habitat onde confiamos nossos filhos e a esperança de manter nossa perpetuação e o que vemos é nossa espécie não procriar. Só este ano devido às rotas de suas estradas com suas máquinas imponentes de transporte, mais de um trilhão de sapos foram dizimados sem chance de defesa, simplesmente por nosso alimento estarem em seu caminho. Sem falar das brasas que nos fazem comer só pra ver nosso sofrimento em meio aos seus risos e sem contar as amputações e incapacidade que sofremos pelas pancadas que nos dão, chute, arremessos, pedradas, pauladas. E ainda acham pouco e nos jogam sal nas costas sabendo que nossa pele é sensível só para se deliciarem com nossa dor. E o mais ridículo de tudo é que ainda usaram o nome de nossa espécie em algumas línguas para menosprezar ou inferiorizarem de beleza outros da espécie deles. Algumas vezes, para punirem alguns dos seus cidadão que chamam de príncipes, os transformam em um de nós para isso servir de castigo e humilhação para o transformado, quando na verdade nós que nos sentimos humilhados e castigados por termo que aceitar entre nossa espécie um representante de uma espécie que ainda não conhece o verdadeiro sentido da vida e do amor. Nunca fizemos mal a essa espécie e mesmo assim eles nos extinguem de forma violenta e cruel.

A árvore começa a chorar e entre os soluços fala:

- nobre amigo como é triste sua sina, que animal sem sabedoria esse que está destruindo tudo.

E o sapo responde: verdade nobre amiga. E foi votado democraticamente, no último congresso das condições sapais, a proposta que acatamos sabiamente de nos excluir das espécies desse planeta. Cansamos de sermos maltratados sem uma explicação. Sempre os ajudamos combatendo as pragas de suas lavouras e os insetos que os prejudicava e transmitiam doença. Porém resolvemos mudar nossa rotina, em uma decisão unânime com os lideres das altas cortes sapais dos quatros cantos do mundo resolvemos não mais procriarmos, não mais apareceremos e nunca mais cantaremos até o dia em que esse planeta seja novamente habitável.

A essa altura todos choravam, por medo, comoção, mas acima de tudo saudade daqueles que tão alegremente encantavam a vida daquele lugar. E de uma forma humilde ambos perguntam: e pra onde vocês iram?

E o sapo com um sorriso de quem dominava a situação responde:

-Nos encantaremos e seremos seres encantados e deixaremos o homem com sua crueldade enfrentar sozinhos os perigos da terra.

E terminada a frase ajeitou novamente os óculos e seguiu por um caminho e logo à frente desapareceu.

O rio, o lago, a árvore, a pedra e o pato ficaram olhando e sem nada dizerem compartilhavam aquela dor. O rio e o lago secaram, as folhas da árvore caíram, o pato nunca mais nadou e a pedra de tristeza se partiu.

E desde esse dia, desde o momento que a greve foi decretada que os sapos estão comunicando a cada sapo existente e desaparecendo da Terra. Muitos já desapareceram alguns se encantando e outros ainda por serem vítimas desse animal chamado homem.

Lino sapo

22 de agosto de 2014

Lino Sapo
Enviado por Lino Sapo em 24/08/2014
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