Capítulo 1 - O Encontro
Tia Malu estava sentada no banco do seu Jardim Encantado, matutando na vida.
-Matutando? O que é isso, tia Malu?
-Quem disse isso?
Tia Malu viu uma menininha muito bonitinha sentada ao seu lado. Tinha grandes olhos castanhos escuros, lindas sobrancelhas bem delineadas, um rostinho redondo e os cabelos lisos e escuros, com franjinha bem reta. Aparecia na pontinha de cada orelha, um brinquinho de pérola. Usava um vestidinho cor de rosa bem clarinho, todo bordado com fogueirinhas de festas juninas, balõezinhos e bandeirinhas. As pernas balançavam no ar, e nos pés, sapatinhos pretos abotoados com uma pulseirinha no peito do pé. Lindinha!
Acostumada já com esse Jardim Encantado, tia Malu nem estranhou muito a aparição.
-Matutar é pensar na vida, minha querida. É ficar matutando sobre algum problema ou pensando à toa, só por pensar.
-Você está pensando à toa ou pensando em algum problema? , perguntou a menina, muito séria.
Tia Malu sorriu:
-Na verdade, não é nenhum problema. Mas você já ouviu falar de sonhos, desejos, impulsos de realização?
-Não, o que é isso?
-Quando a gente é criança, assim como você, a gente tem vontade de fazer uma porção de coisas maravilhosas e interessantes. Ser famosa, ser artista, escritora, inventora, ou até ser uma pessoa comum, mas muito feliz e realizada, como ser mãe, ser esposa, ser dona de casa. Essa vontade é muito pura e intensa e a gente sente que é muito fácil realizá-la.
-Ah, entendo! E você teve essas vontades?
-Tive sim, mas até hoje não realizei algumas...
-Ah... Fale uma, por exemplo.
-Eu sonhava em ser livre e ter coragem de sair pelo mundo, sem medo de viver sozinha, mesmo sem segurar na mão de minha mãe.
-Como assim?
-Eu sabia que era capaz de ser corajosa, de me soltar, de sair sozinha pelo mundo, mas ao mesmo tempo sentia um medo paralisante e não saía da barra da saia de minha mãe.
-Ah, eu senti isso quando eu nasci...
-Quando você nasceu?! Você se lembra?
-Sim, eu me lembro muito bem. Eu me lembro até de antes de nascer.
-Antes de nascer? Como assim?
-Eu me lembro que eu já existia e vivia em algum lugar onde eu estava bem confortável e não queria sair de lá não. Mas alguém me disse que estava na hora de eu ir para algum lugar. É meio confuso...
-E então...
-Então eu estava muito preguiçosa, parecia que não queria me mexer nem fazer nada. Aí uma mulher muito linda, forte, mas ao mesmo tempo muito amorosa, me levantou de onde eu estava e disse com muita firmeza: _Vai! E eu fui, quer dizer, eu fui para dentro da barriga da minha mãe!
-Que interessante! E aí?
-Fiquei quietinha lá na barriga. Era quentinho, macio e eu não tinha que fazer nada, a não ser prestar atenção nos ruídos e movimentos.
-E eram muitos?
-Sim, imprevisíveis e assustadores. Conforme eu ia crescendo lá dentro, ia percebendo melhor as vozes, os sons, as conversas. E cada chacoalhão! E comecei a sentir muito medo!
-Medo de quê?
-De tudo! De como ia sair dali, do que teria lá fora, do mundo e principalmente das pessoas!
-Das pessoas?
-Sim, medo de gente! Gente é muito imprevisível, você nunca sabe o que esperar das pessoas e como vão nos tratar. Algumas são normais, outras são loucas, outras são muito perigosas!
-E você não teve medo de falar comigo?
-Não, você me pareceu muito conhecida...
-Ah, entendo...
Mas ela não entendia nada. De onde teria saído aquela menininha, que também lhe parecia muito conhecida? Achou melhor dar uma saída estratégica ( ela também tinha medo de gente!):
-Bem, tenho que ir agora...
-Está bem Mas amanhã eu volto: é dia do meu aniversário!
Ficou boquiaberta! No dia seguinte ela também faria aniversário! Que estranho!
-Até amanhã!
Foi para casa com o coração apertado. Olhou para trás e viu aquela menininha sozinha, sentada no banco, balançando as perninhas...
-Até amanhã.
(Continua no próximo capítulo! Não perca!)
Abraço
Malu.