Campeonato de Puns

Eram quatro irmãos, muito bem educados e comportados; de dezesseis, treze, onze e oito anos. Os dois mais velhos eram magros, o do meio, de corpo médio, o caçula, entretanto, era gordinho. Zico, Cau, Paco e Tuzinho.

O pai, que trabalhava como oficial num cartório, era um homem de fala mansa e muito pacato, mas inflexível com a educação dos filhos. Moravam eles em uma casa em que os quartos davam janela diretamente para uma movimentada rua da cidadezinha do interior de Minas, lá pelas barrancas do Jequitinhonha.

Quem passava em frente àquela casa, por volta das nove horas da noite ou das três da tarde, quase todos os dias, ficava surpreso com a algazarra dos garotos por trás daquelas janelas fechadas. Meninos tão tímidos fora de casa e tão efusivos lá dentro. Entre gritos, de ovação e aplausos, os transeuntes mais curiosos tentavam espiar pelas gretas o que se passava acolá. Mas quem passou por ali, num sábado distante, ouviu uma algazarra maior que a dos demais dias. As vozes dos meninos e de suas três irmãs, prima e vizinhas, como num final de torneio, saudavam o pequeno Tuzinho, entre gritos e aplausos.

Trezentos e oitenta e seis e em seqüência! Com esta marca, Tuzinho vencia os demais irmãos no campeonato de puns disputado entre eles e batia o seu próprio recorde de trezentos e oitenta e três puns seqüenciais. Diziam que o seu segredo era saber administrar os grandes puns, tirando-lhes o máximo fracionamento. Uma questão de potência e controle de esfíncter. Diziam os irmãos que o Tuzinho era gordinho porque estufado de puns. Suas irmãs e prima, entretanto, atribuíam sua vitória à alimentação especial que elas lhe preparavam: muito repolho, batata doce, mingaus de fubá com leite e de milho verde, feijão de corda, farofadas e vatapás para ajudar na detonação, e há quem comentava que elas temperavam isto tudo com uma pitada de pólvora, devido ao odor característico de seus flatos.

- Vão avisar o papai lá no cartório! - gritava um dos filhos. O bom homem, que naquele dia estava pondo a papelada em ordem, esperava aflito o final da disputa e torcia naturalmente pelo caçula, temeroso de que os irmãos mais velhos o ludibriassem.

Naquela época não havia telefone nem televisão naquela cidade, apenas um cinema que funcionava quando lhe permitiam o gerador próprio de energia, o velho projetor e as precárias películas que vinham da Capital do Estado, algumas vezes emendadas em partes desordenadas, em que se confundia o desenrolar da história, exigindo um exercício sobrecomum dos telespectadores ou retirando-lhes a graça do final. Nos filmes mais surrealistas, pouca diferença se notava, exceto para aqueles mais desconfiados.

- Trezentos e oitenta e seis, em seqüência! Este menino vai ser gente quando crescer! – ufanava o orgulhoso e sorridente pai.

Os irmãos, ressentidos com a derrota, porém admirados com o pequeno, lamentavam o investimento excessivo nas comilanças, no levedo de cerveja e nos longos meses de exercício.

Campeão em casa, peidorreiro na escola, mas nenhum colega aceitava o seu desafio e nem lhe apoquentavam, tendo em vista que qualquer aborrecimento seria resolvido a socos e pontapés com os irmãos mais velhos.

VIVA O TUZINHO, O CAMPEÃO DE PUNS.

( Nota do autor: Podem até não acreditar, mas a história é real. Muito posteriormente a ter escrito este texto, li que o Montaigne também houvera relatado um fato assemelhado, de um senhor com as características aqui exploradas).

Di Amaral
Enviado por Di Amaral em 01/05/2008
Reeditado em 16/01/2014
Código do texto: T970728
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