O Último Canto do Cisne
Seu Gilberto era aquele tipo de madurão sovina, cético com tudo e com todos e completamente desprovido de vaidade.
A certa altura de sua vida, viu - se abandonado pela sua sofrida e decidida esposa, que passara ao seu lado uma vidinha ordinária e sem sentido.
Nos seus sessenta e poucos anos, o sovina desprezado, num desses momentos de “sorte de principiante” que curte a solidão no canto esmirrado de algum botequim, conheceu a Marlene. Moça nova, de, no máximo, vinte e oito anos, que lhe deu o maior amparo. E como não o conhecia, sustentava um discurso mais abstraído da fantasia novelesca que da realidade do desconhecido senhor . Certo é, que, vulnerável às emoções do abandono e seduzido pelo desejo, o Seu Gil, que passou a manter encontros com aquela “menina simpática”, como se referia à mesma, deixou - se conduzir por um ritual de pseudo - rejuvenescimento, justificado mais na intenção de se reduzir a distância cronológica entre ambos, visto que Marlene já lhe parecia neta, e pela própria fantasia desta, que se achava poderosa a ponto de transformar velhacos em gatos .
- O seu cabelo tá muito branquinho Gil, um castanhinho aí vai bem, gato! Dizia ela sem cerimônias.
- Olha, vamos arranjar (para não falar comprar) uns trajezinhos apropriados e um radiozinho de ouvido (já que Ipod era muito moderno para o Gil) para fazermos caminhada. E vamos sim, fazer caminhada lá na praça no domingo!
Como ainda era quarta – feira e o Gil há muito não tinha uma “aventura”, digamos, com uma mulher, porque não lhe eram raras as aventuras etílicas, resolveu dar uma ensaiada, na sexta, com uma garota de programa, prevalecendo-se, para tanto, do dito poderoso comprimidinho da moda contra impotência masculina. Foi até à farmácia, comprou e tomou o seu ressuscitador, como indicado, telefonou para a sexy delivery e, todo poderoso, não conseguiu finalizar seu campeonato, após todas as vigorosas tentativas de cobrança de pênaltis, já em tempo de prorrogação. O que aconteceu foi que o seu corpo enrijeceu-se todinho, fazendo com que o Gil fosse parar no Pronto – Socorro, de onde saiu falando mal dos dois comprimidinhos que tomou e dizendo ter fundido o saco.
E num desses arroubos de juventude, que acomete periodicamente quem já tem consciência de a estar perdendo ou a perdeu mesmo, e sem que ninguém soubesse de nada, lá foi o Gil, no domingo, encontrar-se com a sua gata na praça, todo recauchutado: cabelos pintados, dentes de porcelana, colônia da onda, training e tênis da moda, a ouvir a radio local no seu recém adquirido, como é mesmo? MP4. Andou, andou e andou, sempre observando o seu “avião, que se afastava e aproximava, num frenesi de estica e puxa, em passadas rítmicas e sensuais. E o gatão sentiu - se bem, rejuvenescido e belo. Tanto, que passou a acompanhar a sua libertadora, até à exaustão, quando, atingido por uma arrebatadora e profunda dor no peito e falta de ar, teve um enfarte e morreu.
Morreu bonito!