O Cachorro do Vigário
Numa distante paróquia do interior de Minas Gerais havia um querido vigário holandês, que, como alguns holandeses que vem para o Brasil, achava que morava no norte da África ou na Índia, pouco importando, uma vez que vinham em missão apostólico - cultural e convictos de que a miséria acabava mesmo por universalizar a identidade – a dos miseráveis - , fossem brasileiros, africanos ou indianos. Frei Clemente, da ordem franciscana, não abria mão do seu hábito marrom escuro, mesmo no verão, sob quarenta graus à sombra.
A vida ali parecia-lhe feliz. Um povo bom, devotado e uma boa casa paroquial. A cidade sediava uma diocese, eventualmente sem bispo, mas sempre por vir. Os pouquíssimos padres eram resignados e, como bons franciscanos, não causavam problemas, afinal, eles é que quiseram ir para aquele canto de mundo. Pra ele, 'tava correndo tudo às mil maravilhas. Tinha recebido um Jipe de parentes e amigos do seu país, tinha um cachorrinho como seu companheiro inseparável – o Nativo - , que o acompanhava por todo lado, mas que o esperava à porta lateral da sacristia, como bem o ensinara. Se o Robinson Crousué podia ter o Sexta-Feira, porque ele não poderia ter o Nativo?
Frei Clemente, também chamado de Frei Quelé, pelos jovens, sentia-se pop, como o Papa João Paulo II, não obstante a sua real aparência de santo de altar, devido ao seu permanente hábito franciscano, à sua vasta calva e ao seu físico esquálido. Freqüentava, ainda que brevemente, até os barzinhos, onde se encontravam os jovens ou os velhos da cidade. Ia a bailes, a festas, cinema, clubes, e só evitava mesmo a zona boêmia, o que seria demais para uma cultura norte africana, não é mesmo ?
Todos gostavam de receber o Frei Quelé e o Nativo em suas casas. Ambos percorriam a cidade de Jipe. O Nativo sempre no banco do passageiro. Franciscanos são assim mesmo, são amigos dos animais.
Após longos anos chamando seu amado cachorrinho de Nativo, o vigário, sem que, nem pra que, passou a chamá-lo pelo nome de Silvestre. E pedia a todos quantos frequentava que chamassem o seu cãozinho de Silvestre e não mais de Nativo. A princípio explicava que Silvestre seria mais adequado e que o nome Nativo poderia causar alguma insinuação, algum insulto étnico e que era hora de corrigir. Mas Nativo não atendia e nem entendia bulhufas de Silvestre, tornando-se um cãozinho desobediente. Entretanto, era muito disciplinado quando, à ordem, o vigário ou outra pessoa sussurrava o seu verdadeiro nome.
Algum tempo se passou e todos acataram a estranha mudança de nome proposta pelo vigário, à exceção do Nativo, que não dava a mínima para o seu novo nome – Silvestre.
Certo dia, a comunidade local recebeu a boa nova. A diocese teria um novo bispo. A comunidade católica recebera a notícia com grande entusiasmo. Seria uma grande festa de recepção. O tão esperado bispo, enfim, chegaria.
Com calorosa recepção no Palácio Episcopal, o bispo chegara sob aplausos e ovação de populares e da alta sociedade local. A banda de música entoava um Parabéns Pra Você, acompanhado do coral que se encontrava na escadaria do palácio, sob uma enorme faixa, muito bem ornada, onde se lia: Bem vindo Dom Nativo.
Dizem que o estimado cãozinho do querido vigário somente foi visto, novamente, em outra localidade, para onde Frei Quelé foi transferido .
Nota: Pode não parecer verdade, mas esta história baseia-se em fatos reais. Quem é de lá e daquela época, bem sabe! rsrs.