Mais Ignorante Que Um Cavalo.

Tio Lilico é um daqueles tios do interior de Minas. Estatura mediana, cabelos crespos, entradas avançadas, nariz grosso, cinto da calça afivelado sob um abdômen proeminente, cor indefinida, entre o pardo e o avermelhado, homem de coração mole, mas teimoso, um cabeça dura. Muito afetuoso com a família e com a sua mulher, mas quando resolvia empacar tornava-se insuportável.

Certa vez, ao visitar a capital do Estado, próxima à cidadezinha onde morava e onde se ia, por vezes, passar o dia, tio Lilico, querendo fazer uma surpresa à Tia Amélia, comprou um jogo de pratos decorados, que ele tinha achado muito bonito. Ao chegar em casa com aquele pacote, que logo mostrou à mulher, anunciando e elogiando o seu conteúdo, ouviu da negligente esposa um “ para que mais Lilico, se aqui em casa já tá cheio de pratos?” O Tio sentiu o sangue subir-lhe ao rosto e, sem conseguir conter o ímpeto, foi até a janela onde soltou o embrulho das mãos, que espatifou-se no chão, causando a quebradeira da malsinada prataria. Tia Amélia, de outro lado, impelida por um ataque momentâneo de insensatez , decorrente de anos de tolerância aos rompantes do marido, ofereceu-lhe um a um os pratos restantes da casa, que o mesmo lançou, até o último, pela janela da copa, saindo em seguida.

Passou o resto da tarde na venda do Seu Redelvino, onde tomou umas cervejinhas guiadas por alternadas pinguinhas, a que chamava de aperitivos.

Ao anoitecer, tomou o rumo de casa e, lá chegando, como sempre, ladeando o fogão de lenha e destampando as panelas para apreciar o que teria para o jantar, pediu inadvertidamente um prato para servir-se, quando escutou da tia Amélia, em tom de repreensão e escárnio, que aquela casa não tinha mais pratos, todos quebrados pelo bravo senhor. Tio Lilico, coçou a nuca, resmungou e saiu, novamente, pisando alto e pigarreando um prolongado aaaaaaaaaaiiiiiiiiiiiiiii!

Certa vez, ao iniciar a noite, o destemperado tio, todo elegante, de paletó e gravata, retornava do fórum, onde passara toda a tarde como jurado, no julgamento do Azulão, criminoso de fama na região. Ao passar pela praça e ver ali armada a lona de uma “Tourada” resolveu assistir o espetáculo que já começava. Comprou o seu ingresso, entrou e assentou na arquibancada de tábuas oscilantes. Soltaram um touro na arena, que saiu em disparada ao encontro do franzino toureiro, que, escondia-se, de carreira em carreira, atrás de protetores de madeira; e o bicho não lhe dava tréguas, coitado! Quando o Tio Lilico gritou: - Esse medroso aí não vai torear esse bezerrinho não? Ao ouvir isso, o pequeno mártir, em apuros, logo gritou: - Vem o senhor, se tem coragem! O Tio Lilico passou a mão no nó da gravata arrancando-a num puxão, desfez-se do paletó e em poucos saltos já se encontrava frente a frente com o animal que, resfolegando, disparou ao seu encontro. O atarracado tio abriu os braços, em posição de abraço assumido, e recebeu o impacto da cabeça do touro no peito, atracando com o animal que o empurrou contra o cercado da arena, sovando-o sem parar, enquanto o mesmo tentava enfiar os dedos nos olhos do bicho. O dono da “Tourada”, naturalmente preocupado com o desfecho daquela disputa, gritou para meia dúzia de ajudantes que o acudissem, que apartassem aquela “briga”. O imprudente tio saíu dalí diretamente para o hospital, no fusca do Badim, dizendo, mais tarde, quando recuperado, que tinha “andado” num veículo que nunca tinha experimentado – num carrinho de mão – quando retirado da arena.

Certa manhã, o Tio Lilico, que se encontrava na fazenda do seu pai, resolveu campear um cavalo com o intuito de cavalgar até a cidade próxima, onde morava. O bicho deu um trabalho danado para ser pego. Embreou pela caatinga adentro, provocando muitos arranhões de unhas – de – gato no tio, que ficou furioso com o quadrúpede. Ao pegá-lo, após mais de uma hora de muita peleja, amarrou a cabeça do cavalo num tronco de árvore e espancou o danado até cansar, desistindo da pretendida cavalgada, naturalmente por força das circunstâncias.

Uma semana depois, ao voltar à fazenda, caminhando pelo curral, lá estava o alazão que, ao vê-lo, tomou um susto danado e entrou em disparada carreira, saltando mal a cerca e esborrachando do outro lado do curral. É que o bicho ficou traumatizado com a ignorância do tio Lilico.

Notas: Estas três histórias, que reuno num personagem fictício - Tio Lilico -, realmente ocorreram com o tio de um grande amigo.

Di Amaral
Enviado por Di Amaral em 15/01/2008
Reeditado em 02/07/2014
Código do texto: T818331
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