CRESCEI, MAS PRINCIPALMENTE MULTIPLICAI-VOS.

O Criador sentia-se profundamente cansado.

Por vários dias dedicara-se com afinco a criar a Terra. E os mares, as florestas, o céu, as estrelas e um incontável número de seres vivos.

Precisava de um merecido descanso. Mas antes resolveu subir aos céus para contemplá-la. Sabia que envidara todos seus infinitos poderes para criá-la. E, ao admirá-la sentiu-se recompensado. Pois ela se-Lhe afigurava deslumbrante.

Entretanto, em sua incomensurável sabedoria, sentiu-a incompleta. E não precisou de muito tempo para descobrir uma diminutíssima falha: esquecera-se de criar um ser inteligente e racional que pudesse desfrutar da incomparável e magnífica obra que completara.

Sua decisão foi rápida e fulminante. Como todas as que tomara nesse interregno febril da criação. Decidiu elaborar mais um ser dotado de compreensão e sensibilidade apto e em condições de apreciá-la. Com este propósito desceu imediatamente a Terra.

Recolheu e peneirou finamente terra de especial pureza. Reservou-a. Foi buscar água da mais cristalina das fontes. E vasculhou o planeta atrás de certos ingredientes especiais cuja origem e composição sempre manteve em segredo.

Logo começou a trabalhar amassando tudo com disposição e vontade. Aos poucos aquela massa começou a tomar forma. E uma quantidade enorme de bichos D’Ele se acercou passando a acompanhar Seu trabalho. Imediatamente todos perceberam que Ele estava a fazer nova criatura.

Naquela época os bichos ainda falavam. E, sempre tiveram muita liberdade e intimidade com o Criador. Por isso os palpites que se seguiram foram intermináveis.

“-Tente três olhos, um nas costas para facilitar os movimentos à ré”;

“-Ereto não vai dar certo”;

“-Dez dedos não é muito?”;

“-Experimente dois narizes”;

“-Capriche no rabo. Faça um comprido e bonito”.

Indiferente a todos os comentários Ele trabalhava extremamente concentrado. E logo os assistentes puderam ver que a nova criatura se assemelhava muitíssimo com o Criador. Só então ficaram quietos.

O Mestre terminou seu trabalho. E insuflou vida ao novo ser.

E dirigindo-lhe a palavra disse: “Você será o Homem. Criei-o à minha semelhança e imagem. E dotei-o de poderes e qualidades especiais que nenhuma outra criatura sobre a Terra algum dia conseguirá ter”.

“Tudo para que você desfrute com plenitude do que agora vou lhe mostrar”. E levou-o a conhecer os mares e as florestas, rios e cachoeiras, o céu e as estrelas, o sol e a lua, demorando-se em percorrer com ele os mais encantadores lugares do planeta.

O Homem o acompanhava embevecido e deslumbrado.

Foi quando o Criador lhe disse. “Preciso retirar-me. Mas tenho absoluta certeza que nada lhe faltará e você será extremamente feliz”. E elevou-se às alturas seguro de haver terminado plenamente sua obra.

Muito tempo depois, quando em suas andanças pelo Universo, passava por aqui perto, Deus lembrou-se do Homem. E resolveu visitá-lo.

Surpreendeu-se ao encontrá-lo triste e acabrunhado.

“Conte-me o que aconteceu. Qual o motivo desse estado de ânimo”?

“Sabe Senhor. A Terra é encantadora. Mas sinto-me extremamente sozinho e não tenho com quem compartilhar toda sua beleza”.

Imediatamente, em sua incomensurável sabedoria, o Criador percebeu o que faltara. Lembrou que fizera todos os seres ao pares. Mas esquecera deste detalhe ao criar esta sua última obra.

“Deite-se”, ordenou ao Homem. “Você irá dormir um pouco. Vou fazer em você uma espécie de intervenção cirúrgica. Acalme-se que não vai doer nada. Mas quando acordar terá uma agradável surpresa”.

O que se passou é de todos sabido.

Com uma costela o Criador elaborou um ser semelhante ao primeiro e batizou-o de Mulher.

Quando o Homem finalmente acordou o Criador os apresentou. Notou que ambos ficaram felizes em se conhecer.

E Deus resolveu voltar aos seus afazeres que eram muitos. Mas percebeu ao deixá-los que eles estavam muito bem, contentes e animados.

O tempo passou.

O Criador, passando por perto, resolveu visitar a Terra e suas mais elaboradas criaturas.

Surpreendeu-se novamente ao encontrar o Homem emburrado e triste.

“O que é que houve agora?”.

“A Mulher é uma chata! E impossível de agüentar!”.

“Dia e noite, sem parar, fala como uma matraca. Perturba e intromete-se em tudo e não dá sossego nem aos animais. Suplico-lhe. Leve-a embora para bem longe”.

Em sua incomensurável paciência o Criador prometeu resolver mais esse problema. Retornou às alturas. E, em sua infinita sapiência pôs-se a meditar.

Onde o erro? Observara todas as regras.

Foi quando ao observá-los à distância atinou com a resposta. E vislumbrou uma solução.

Estes eram os primeiros seres inteligentes que criara. Eles, em razão de sua peculiar natureza, são de questionar todas as proposições. Seria preciso um liame muito mais forte que o usual para que pudessem permanecer unidos.

De longe percebeu que não os fizera exatamente iguais. Ao elaborá-los não teve a preocupação de eliminar pequenas diferenças. Mas elas, agora, seriam a solução.

Desceu, adormeceu-os e resolveu fazer com que se atraíssem por essas pequenas dessemelhanças. A este sentimento decidiu dar o nome de amor.

E ao acordá-los sentiu que fora bem sucedido.

Ambos se mostravam completamente diferentes: no olhar, no semblante, no tratamento que se dispensavam, como se estivessem em um novo mundo.

Foi então que o Criador resolveu deixá-los, cônscio que finalmente completara sua obra.

O tempo passou. E mais uma vez o Criador resolveu visitar o Homem.

Não acreditou quando o encontrou novamente triste e acabrunhado.

“O que foi desta vez”, perguntou-lhe.

“A Mulher é uma chata. Tagarela e prepotente. Não dá sossego nem aos bichos. Não a agüento mais!”.

“Não entendo como isso foi acontecer. Lembro-me de tê-los deixado apaixonados. O que houve”?

“Não sei”, respondeu-lhe o Homem. “No começo era tudo muito bom e bonito. Mas com o passar do tempo as coisas mudaram. E a Mulher voltou a ficar insuportável. Aliás, como sempre foi”.

E completou. “Senhor. Eu também raciocino e penso bastante. Examinei a questão que me aflige com pormenores e em profundidade. E acredito tenha já encontrado a solução para esse problema. Só preciso de Sua ajuda para resolvê-lo”.

“Conte-me, criatura”.

“Meu senhor. Tenho ainda muitas costelas. Bastará retirar outra mais do meu corpo. Sei e posso garantir que ficarei feliz com uma nova companheira”.

“Sua idéia não tem nenhum sentido”, retrucou-lhe o Criador. “Todos os seres foram feitos aos pares. Está certo que nunca tentei, mas não acredito que uma solução diversa possa dar certo”.

O Homem não aceitou a negativa. E tanto, mas tão insistentemente defendeu sua idéia que terminou por convencer o Mestre a atendê-lo.

O Criador adormeceu-o por uma segunda vez. E, já se preparava para retirar-lhe outra costela quando a Mulher Dele se aproximou cautelosamente.

E de forma meiga e delicada dirigiu-lhe a palavra.

“Deus, desculpe interromper seu trabalho. Mas gostaria de fazer-lhe também um pedido. Será que quando o Senhor terminar essa nova mulher e, se o Senhor não estiver muito cansado, o Senhor faz um novo Homem para mim?”

Não há registros do que se passou em seguida. Mas sabe-se que o Criador perdeu a celestial paciência e serenidade, interrompeu o trabalho e subiu mais uma vez aos céus.

E, ali, ficou muito tempo a meditar.

Então desceu novamente a Terra. Chamou as duas criaturas e fê-las adormecer. Cuidou de modificá-las, introduzindo nelas pequeníssimas alterações. E, então, despertou-as.

Olhou bem nos olhos de ambos. E disse-lhes: “jamais conseguirei atender a todos vossos desarrazoados desejos. Mas deixei a solução do problema, que atormentará as gerações futuras, em vossas mãos: crescei e multiplicai-vos”.