O MISTÉRIO DO SORRISO DESAPARECIDO
Seu Antenor acordou no meio da noite, o que não costumava acontecer. Com a barriga roncando de fome, a cada rugir de leão nas tripas, esbravejava em pensamento para não acordar ninguém na casa: “Eu disse que sopa não é janta!”
Ainda deitado, resmunga para si mesmo sua insatisfação de ter se sujeitado a morar com o filho e a família após a viuvez, mesmo ainda podendo se cuidar. Se ainda morasse sozinho, podia encomendar um lanche e assistir TV até pegar no sono de novo.
Agora vivendo sob o teto do filho precisava decidir entre dormir com fome ou levantar para fazer um sanduíche, se esforçando para não fazer barulho e acordar alguém. Além dos horários para dormir e acordar, precisava se esconder para pitar um cigarro. É, parece que
o jogo virou.
Embora goste da convivência diária com o neto, com quem se diverte muito, seu Antenor acha que a comida saudável da nora e a conversa chata do filho, advogado de falência, são um preço muito alto para se pagar.
Decidido a não dormir com fome, levanta-se da cama, calça as pantufas e se depara com o copo d’água onde guardava a dentadura vazio. Surpreso põe os dedos na boca para se certificar que estava com as gengivas nuas.
Sem fazer barulho, seu Antenor procura sem sucesso por toda casa sua dentadura, até ter um lampejo ao lembrar da ansiedade do neto para perder o primeiro dente depois de ouvir a estória da fada do dente.
Debaixo do travesseiro do neto encontrou a dentição do seu sorriso, como uma farta oferenda para a fada do dente, que certamente precisaria de um financiamento para quitar esse contrato. Sem moeda no bolso do pijama, seu Antenor escreveu um bilhete e deixou sob o travesseiro.
Apenas o vovó entendeu a graça quando o neto disse que ia precisar da ajuda do pai porquê a fada do dente tinha pedido falência.
@oantonioguadalupe