TURRÓN DE ALICANTE OU AVIÃO É BOM QUANDO DESCE
Subi naquele avião gigantesco com destino a Madri. Minha passagem era turística. Por isso mesmo o espaço que me cabia era diminuto, o atendimento sofrível, o jantar de passarinho e, a bebida alcoólica, limitava-se a um pequeno copo de vinho.
Hora e meia depois da decolagem as luzes se apagaram. Alguém, que velava pelos nossos destinos, decidira que todos deveríamos dormir. Como opção poderia assistir um filme sem graça com legendas em espanhol.
Sem sono, permaneci desperto a observar um painel inútil que indicava a progressão da viagem.
Finalmente, seis horas depois, acenderam-se as luzes e tudo voltou ao normal. Recebemos a notícia que estávamos chegando ao destino e nos serviram um café matinal requentado e horrível.
O avião começou a descer.
Preso à poltrona, observo a janela. Procuro descobrir onde está a pista de pouso. Nunca consegui enxergá-las do alto. Mas o avião desce e já descortino casas, telhados e alguns veículos. Estamos a cem metros de altura.
Com um barulho ensurdecedor o avião arremete para o alto.
Confesso que não gostei. Mas aguardo alguma explicação pelos alto-falantes. Se até agora não pararam de falar o que não interessa, com certeza deverão informar o que importa.
Errei. O silêncio que se segue é absoluto. Penso, talvez estejam todos, inclusive locutor, empenhados em fazer descer esta jostra.
O avião recomeça seus preparativos para a descida. Acompanho a manobra com alguma apreensão. E novamente vejo os telhados, as avenidas e os automóveis a circular.
Já próximo ao solo ele arremete de novo para o alto. Com um barulho maluco de motores a demonstrar que algo não estava a funcionar a contento.
As freiras ao meu lado começaram a rezar. Pude sentir que um senhor à minha frente perdeu o controle intestinal. Ouço uma mulher soluçar à direita e outra, mais à frente, a emitir pequenos gritinhos histéricos. Um careca põe-se de pé e logo é abordado pela aero-velha (juro que era) que o faz sentar de novo.
Quando ela cruzou por mim procurei segurá-la. “O que está acontecendo”, perguntei-lhe. “Tudo está sob controle. Não se preocupe. Logo estaremos pousando”, respondeu-me.
Esta tonta sabe menos que nós, comentei com a assustada passageira da direita.
O avião circulava. E ficou mais de meia hora a rolar. Fiquei a imaginar estivesse a consumir o combustível.
O ambiente interno era incontrolável. Os alto-falantes apenas repetiam que deveríamos permanecer sentados e presos aos cintos.
Finalmente senti que iríamos fazer nova tentativa.
Resignei-me. Que fazer? Nunca tive medo de viajar de avião mas admito que não estava muito à vontade quando ele se aproximou da pista pela terceira vez.
Se o piloto não conseguir pousar e esta bibosca não se espatifar no chão, mas de novo subir, e eu continuar vivo, juro que vou até a cabine e quebro a cara do piloto, pensei com meus botões. Porque, nestas alturas – e estava realmente alto - pouco tenho a perder.
Mas o pouso foi normal.
Quando o avião tocou o solo a alegria contagiou todos os passageiros que bateram palmas. Efusiva e demoradamente. Só pararam quando ele definitivamente se imobilizou.
Que tolice, pensei. Se o comandante conseguiu fazer essa jamanta subir, o mínimo que dele se espera é que saiba e consiga fazê-la descer. É sua obrigação. Sem matar de susto todos os passageiros.
Foi falta de tato e psicologia. Bastaria uma palavra para manter-nos todos à vontade. Ainda que traduzindo uma mentira.
“Senhores passageiros. Estamos com pequena avaria no nosso destrambelhador digital esquerdo que descarregou em virtude de inesperada faísca elétrica, produzida por pesadas nuvens que cobrem o aeroporto. Mas é uma peça inteligente de primeira geração e estará plenamente em ordem dentro de pouco mais de trinta minutos. Tranqüilizem-se porque ainda que não consigamos repará-la, com as outras quatro que equipam esta moderníssima aeronave, nosso pouso será totalmente seguro”.
Garanto que as mil e uma tentativas acrobáticas que fizesse para tentar pousar sequer seriam notadas. E, quando conseguisse, estaria, justificadamente, a merecer os cumprimentos.
Mas o susto valeu. Conheci a Plaza Mayor e as dezenas de bares que a enfeitam. E pude degustar todos os “tapas” que tinha direito.
Além disso tive a felicidade de conhecer uma velha senhora que me ensinou fazer dúzias de “recetas para quitarse el sombrero”. Entre as quais aquela do doce divino que o título desta crônica já adiantou.
Cuida-se de um “torrone” típico que os espanhóis fabricam há quinhentos anos, especialmente nas festas natalinas. São dois os tipos principais: o duro e o blando (macio) e ambos empregam basicamente os mesmos ingredientes: amêndoas, mel e açúcar.
São extremamente deliciosos e fabricados por especialistas. A receita que aprendi é artesanal, caseira, mas permite a obtenção de um doce bem próximo do tradicional. Vou dar-lhes, mais abaixo, a receita daquele originário de Alicante.
Mas lembrei-me que preciso voltar!
Moça. Por favor, uma passagem para São Paulo, digo Santos.
Não me pergunte sobre cabines que nada entendo delas. Escolha alguma que tenha acomodações razoáveis. Não quero um calabouço escuro junto às máquinas mas, igualmente, não preciso de um ensolarado palácio ao lado da piscina.
Também não quero saber quantas são as escalas. Juro que não estou nada preocupado com o tempo que esse navio vai levar para fazer a viagem.
Explico. Preciso voltar. Mas no mês passado, quando vinha, perdi toda a pressa.
TURRÓN DE ALICANTE
Para prepara-lo você vai precisar de meio quilo de amêndoas, igual quantidade de mel, cento e cinqüenta gramas de açúcar, uma clara de ovo e uma colher de café de raspas de limão.
Comece por colocar num recipiente de cobre ou barro (nunca alumínio) o açúcar e o mel e cozinhe por alguns minutos, mexendo vigorosamente.
Quando o açúcar estiver totalmente diluído, adicione a clara batida em ponto de neve. Mexa lentamente em fogo suave até obter o ponto de caramelo (algo em torno de dez a quinze minutos). Acrescente agora as amêndoas (que você descascou, torrou levemente e moeu até transforma-las em pó). Junte as raspas de limão. Poucos minutos depois tire a panela do fogo. Não pare de mexer.
Com papel alumínio faça dois moldes de 12x24x2cm. Revista-os com papel manteiga. Encha com a mistura. Cubra com o mesmo papel. Coloque algo pesado em cima da massa e deixe por três ou quatro dias na geladeira para que o preparado se adapte às formas.
É uma iguaria que dá um pouco de trabalho. Além disso tem todos os defeitos possíveis: é cara, vicia e engorda.
Mas acredite, se você vier a prepara-la não irá se arrepender pois, sua degustação é inesquecível e sumamente gratificante. Se conseguir resistir sirva-a em pequenos pedaços, após a refeição, acompanhada de um bom licor.